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7 DE JUNHO DE 2022

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cidadãos e promovendo um debate democrático aberto»2.

De acordo com a Provedora de Justiça «Com efeito, se é verdade que o indivíduo tem um direito à

protecção contra a desinformação como forma de poder participar livremente no espaço público digital, as

medidas a adoptar não podem deixar de ser equilibradas e proporcionadas, sem comprometer a liberdade de

expressão e de informação. Tudo pode e deve ser feito para garantir o acesso a conteúdos diversificados, na

medida em que isso contribui para um debate público pluralista e para a livre participação no processo

democrático. Nada pode ou deve ser feito que contribua para que o indivíduo se sinta inibido de exercer

a sua liberdade de expressão e de informação no ambiente em linha, com medo de ser censurado ou

intimidado.» (negrito nosso).

A Constituição da República Portuguesa, desde logo reconhece a importância de assegurar a liberdade de

expressão ao dispor no artigo 2.º que «A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado

na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas». O artigo 37.º é

inteiramente dedicado à liberdade de expressão e de informação, dispondo no n.º 1 que «Todos têm o direito

de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio,

bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.»

E o n.º 2 do mesmo artigo ganha especial relevância na discussão provocada pela lei ora em crise, «O

exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.» Deixando

evidente qual a vontade do legislador constitucional, já que não deixou espaço para qualquer exceção àquele

princípio. Assim, reconhecendo a problemática da desinformação, parece claro que a mesma não poderá ser

combatida com o recurso à limitação da liberdade de expressão dos cidadãos como parece pretender-se com

a Lei n.º 27/2021.

Mesmo no que diz respeito aos meios de comunicação social, o artigo 38.º da CRP, garante liberdade de

imprensa, o que implica liberdade de expressão e de criação.

Tanto a liberdade de expressão dos cidadãos como dos órgãos de comunicação social, compreende a

liberdade de qualquer pessoa exprimir as suas opiniões sem receio de sofrer qualquer represália, que é

precisamente o que está em causa com a Lei n.º 27/2021, ao permitir selos de certificação por entidades

«independentes», que seja feita queixa à ERC (até de entidades que extravasam os meios de comunicação

social), ao querer determinar o que é ou não desinformação. Esta previsão legal leva mesmo a Provedora a

referir que «Assim, e independentemente da sanção legalmente estabelecida ou concretamente aplicada, é,

desde logo, constitucionalmente inadmissível que alguém possa ser alvo de um processo de contraordenação

por se limitar a exprimir ou difundir uma ideia, um pensamento ou mesmo determinado conteúdo informativo

no ambiente digital.», posição que se subscreve.

A Provedora de Justiça acaba por concluir que, «Simplesmente, se o dever do Estado de proteger os

indivíduos contra a desinformação legitima uma atuação estadual a nível sistémico, designadamente ao nível

do desenvolvimento de atividades de sensibilização da população para os riscos da desinformação (projetos

de literacia mediática e digital), da recolha de informação sobre o fenómeno da desinformação e na elaboração

de estudos ou de relatórios, ou para efeitos do próprio acompanhamento da aplicação do Código de Conduta

Europeu sobre Desinformação a nível nacional, em nosso modo de ver jamais pode permitir uma intervenção

estatal casuística, consista ela em interferir ou mesmo censurar determinada interação ou conteúdo concreto

ou apenas em sinalizá-lo, etiquetá-lo ou de algum outro modo sobre ele tomar 'posição oficial'. É, no entanto,

justamente tal inadmissível intervenção estatal que subjaz ao disposto no n.º 5 do artigo 6.º, da Lei n.º

27/2021, de 17 de maio, que aprovou a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital.»

Para além disso, existem outros problemas como a circunstância de a lei não especificar minimamente nem

o âmbito da intervenção nem os poderes especificamente atribuídos à ERC para efeitos de combate à

desinformação. Para além disso, a lei admite que as estruturas de verificação de factos sejam financiadas pelo

Estado mas não tem qualquer previsão quanto às garantias de independência por parte dessas entidades.

Assim, as dúvidas sobre a constitucionalidade suscitadas pelo Presidente da República, pela Provedora de

Justiça, pela sociedade em geral, justificam que o legislador volte a olhar para a letra da lei e expurgue

quaisquer normas que possam colocar em causa a liberdade de expressão.

2 https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52021DC0262&from=DA, pág. 1.