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II SÉRIE-A — NÚMERO 50

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Cordeiro, afirmou «temos de nos habituar a viver com menos água, e isto é válido para todos os portugueses».

A afirmação será certamente correta no âmbito das necessárias políticas de adaptação – e também de

mitigação – mas esconde que os usos da água, especialmente os excessivos e abusivos, não foram comuns a

toda a população e continuam a não ser e que a transformação da atual situação necessita ser abordada

numa lógica de justiça social e ambiental.

Por outro lado, a preocupação ministerial não parece, contudo, completamente consequente nas políticas

para o uso da água. A nota explicativa do Ministério do Ambiente e Ação Climática relativa ao Orçamento do

Estado para 2022 (entregue à Assembleia da República em maio de 2022) anunciava que «o Plano de

Eficiência Hídrica para a Região do Algarve foi uma das medidas incluídas no Plano de Recuperação e

Resiliência de Portugal (inserido na Componente C9 Gestão Hídrica), que contempla 200 milhões de euros de

apoio a investimentos a fundo perdido, para assegurar, por um lado, a gestão mais adequada da procura de

água, promovendo a eficiência hídrica, e por outro, o aumento da resiliência hídrica da região para superar os

períodos de seca prolongada num contexto de alterações climáticas, como forma de garantir no futuro os usos

atuais».

A referência à região do Algarve não é extemporânea, pois é uma das que mais sente os efeitos da seca,

mas mostra a incoerência: é de estranhar que perante um uso irracional dos recursos e uma organização

insustentável, o Ministério justifique investimento público para precisamente «garantir no futuro os usos

atuais». Ao mesmo tempo mantém uma organização do território com agricultura intensiva de regadio de

espécies não adaptadas ao nosso clima, como o abacate, e uma grande profusão de campos de golfe nesta

região. Não existe uma visão clara para garantir mais eficiência no uso de água, o que não se compreende.

Esse eficiente uso da água é necessário por questões ambientais, mas também perante ameaças

económicas: recorde-se que, por diversas vezes, o Governo do Partido Socialista defendeu o aumento do

preço da água em algumas regiões onde a escassez será uma realidade mais intensa, como é o caso do

Algarve. Ora, na opinião do Bloco de Esquerda, não devem ser os cidadãos a pagar pela sua água canalizada

as más práticas de ordenamento do território e a falta de uma gestão eficiente da água. É, por isso mesmo,

essencial transformar o território para garantir a sustentabilidade dos recursos, nomeadamente da água e

assegurar a segurança das populações.

Uma das ineficiências visíveis no uso de água potável é o seu uso em sistemas de rega de campos de

golfe. A proliferação de campos de golfe no país tem sido utilizada como âncora para complexos imobiliários

de alto rendimento e para uma indústria de turismo de elite, sem a respetiva sustentabilidade ambiente e dos

recursos naturais, sem a harmonização com o ecossistema envolvente e sem a democratização do desporto.

Sabendo que um campo de golfe consome cerca de 400 mil metros cúbicos de água por ano, e que apenas

dois no país recorrem ao uso de água proveniente de Estações de Tratamento de Águas Residuais para os

seus sistemas de rega, esta é uma das escolhas mais óbvias para promover uma maior eficiência na gestão

da água.

Acresce que, dada a estruturação económica do negócio, uma grande parte dos campos de golfe estão

situados em zonas onde a escassez de água é maior, nomeadamente no sul do país – a região do Algarve

tem 40 dos 78 campos golfe existentes no território nacional. Não se estranha por isso que, segundo os dados

do Plano de Eficiência Hídrica do Algarve, sete por cento do consumo total de água na região é realizado

pelos campos de golfe, o que dá conta da dimensão do problema. As alterações climáticas, a maior frequência

de fenómenos climáticos extremos e também, muitas vezes, um modelo de agricultura desadequado ao clima

e aos recursos da respetiva região aumentam drasticamente os riscos para a sustentabilidade da água,

mesmo do ponto de vista de uso humano do recurso. E isso torna ainda mais premente que se evite o

desperdício de água potável nestas regiões para a rega de campos de golfe.

O Governo já reconheceu que é necessário aproveitar as águas residuais. Na já referida nota explicativa do

Ministério do Ambiente e Ação Climática relativa ao Orçamento do Estado para 2022 indicava que «para além

dos apoios previstos no PRR para a região do Algarve para esse efeito, pretende-se dar seguimento à

Estratégia Nacional para a Reutilização de Águas Residuais e elaborar planos de ação que assegurem o

aproveitamento das águas residuais para fins não potáveis das estações de tratamento de águas residuais

mais relevantes do País». E, ainda há dias, foi anunciado um conjunto de medidas de combate a esta situação

de seca, uma das mais graves desde que há registo. Dessas medidas constava que «está a ser realizado um

esforço para alargar o uso de águas reutilizada para fins que não carecem de água potável, nomeadamente na