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4 DE JULHO DE 2022

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Na esmagadora maioria dos ordenamentos jurídicos europeus que partilham valores fundamentais

semelhantes com o sistema jurídico português, essa resposta é dada através da aplicação do instituto da prisão

perpétua, que no caso português não existe, deixando assim os portugueses numa situação de menor proteção.

Face a fenómenos de criminalidade grave e violenta, homicídios, terrorismo e mesmo no âmbito de criminalidade

sexual especialmente perversa e grave, a aplicação de uma pena mais gravosa pode permitir uma realização

mais apurada da justiça e das suas f inalidades de prevenção geral e especial.

Uma sentença de prisão assegura que a pessoa não será capaz de reincidir durante o período em que estiver

a cumprir a pena. Portanto, a pena de prisão cumpre a sua função de prevenção geral duplamente: Primeiro

porque aquele que for condenado deixa de representar um perigo para a sociedade durante o período em que

se encontra e cumprir a pena; e, segundo, porque quem potencialmente possa ter ideia de vir a praticar um

homicídio, sabe que pode estar a arriscar a sua liberdade de uma forma prolongada e isso p ode desmotivar a

pessoa da prática do crime. Não surpreende, por isso, que a esmagadora maioria dos países europeus admitam

a pena de prisão perpétua.

Aliás, o próprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) já por diversas vezes sublinhou que a prisão

perpétua, desde que admita revisão, é perfeitamente compatível com a Convenção Europeia dos Direitos

Humanos (CEDH)5. São vários os exemplos em que o referido tribunal considerou não haver qualquer violação

do artigo 3.º da CEDH, que dispõe que «Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos

desumanos ou degradantes»6. Note-se que Portugal ratif icou esta convenção em 1978, mas segundo a

interpretação do TEDH isso não signif ica uma limitação à liberdade de determinar a pena de prisão perpétua em

determinadas condições específ icas.

Mais, o Estatuto de Roma7, de que Portugal é Estado Parte, aprova a criação do Tribunal Penal Internacional

(doravante TPI) e prevê expressamente no artigo 77.º a possibilidade de aplicação de pena de prisão perpétua.

No seu preâmbulo podemos ler que, «milhões de crianças, homens e mulheres têm sido vítimas de atrocidades

inimagináveis que chocam profundamente a consciência da humanidade; reconhecendo que crimes de uma tal

gravidade constituem uma ameaça à paz, à segurança e ao bem-estar da Humanidade; af irmando que os crimes

de maior gravidade que afetam a comunidade internacional no seu conjunto não devem f icar impunes e que a

sua repressão deve ser efetivamente assegurada através da adoção de medidas a nível nacional e do reforço

da cooperação internacional; decididos a pôr f im à impunidade dos autores desses crimes e a contribuir assim

para a prevenção de tais crimes; (…)». Foi assim que os Estados Partes justif icaram a criação do TPI e, todos

quanto o ratif icaram, concordam com as suas normas. Deste modo é inevitável concluir que o Estado por tuguês

aceita a pena de prisão perpétua em determinadas circunstâncias e o disposto na Constituição da República

Portuguesa admite-o. No entanto, verif ica-se o entendimento por parte de algumas pessoas que existe uma

incompatibilidade entre a pena de prisão perpétua e o artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa.

Assim, o Chega vem propor o aumento da pena mínima para 25 anos e máxima para 65 anos, no crime de

homicídio, em situações de especial censurabilidade, sendo possível a aplicação de liberdade condicional após

o cumprimento de 15 anos da pena, altura em que esta deve ser reavaliada.

Nenhuma razão existe – antes pelo contrário – para a inexistência deste tipo de pena no ordenamento jurídico

português, especialmente quando prevista a possibil idade de liberdade condicional após o cumprimento mínimo

de uma f ração da pena e de revisão da mesma. Neste sentido, nem o fundamento da dignidade da pessoa

humana ou o princípio da humanidade das penas poderão, no âmbito da Constituição da República Portuguesa,

obstaculizar à introdução de penas mais pesadas, para situações específ icas que merecem uma especial

censurabilidade.

O projeto de lei agora apresentado foca-se nos casos de homicídio qualificado, quando a intensidade do dolo

do agente e as circunstâncias particularmente violentas ou perversas em que o crime é cometido o possam

justif icar face às f inalidades da lei penal. Admite-se que, no futuro, também outros tipos de crimes possam vir a

ser punidos com este tipo de pena, como os casos especialmente graves de tráf ico de estupefacientes ou de

criminalidade sexual.

Não se trata, por isso, de reintroduzir uma abstração ou uma especif icidade técnica, mas sim de aprofundar

5 Https://www.conjur.com.br/2013-jul-09/corte-europeia-aprova-prisao-perpetua-revisao-periodica. 6 Https://www.echr.coe.int/documents/fs_life_sentences_eng.pdf. 7 Http://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/instrumentos/estatuto_roma_tpi.pdf.