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II SÉRIE-A — NÚMERO 67

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viu a área de cultivo reduzida, com algumas parcelas e algumas estufas a ficarem de fora da produção devido

às limitações de água. Mas o responsável aponta que a grande preocupação é a produção do próximo ano, já

que só em 2024 estará concluída uma estação elevatória que vai permitir a captação na barragem de Santa

Clara a um nível inferir a 106, no caso a cota 90.

Pelos vistos, para os grandes produtores a solução para a escassez de água passa por manter os usos e

providenciar infraestruturas para poder retirar mais água da barragem, deixando-a ainda mais vazia. Aquele

responsável afirma que as explorações agrícolas que representa necessitam, em média, de 4000 a 5000 metros

cúbicos de água por hectare embora este ano tenham usado menos (2000) para além do recurso às águas do

canal, não permitindo a sua chegada ao mar.

Esta solução de baixar ainda mais o nível de captação das águas contrasta com a realidade e com os seus

impactos. A referida barragem está neste momento a 38% da sua capacidade máxima de armazenamento. Ou

seja, dos 485 000 m3 que pode albergar estava em apenas 186 477, muito abaixo dos 244 700 m3 do volume

necessário para assegurar a biodiversidade, nomeadamente piscícola.

Acresce que a Associação de Beneficiários do Mira (ABM), entidade privada que gere os recursos hídricos

da albufeira de Santa Clara, emitiu um comunicado em junho de 2021 que dava como prazo o final de 2022 para

que os agricultores precários, que há décadas fazem a captação de água para rega das suas pequenas

explorações e até para consumo humano, encontrassem alternativas no acesso à água. Mais de 200 agricultores

precários foram já avisados que têm que retirar as suas captações nos canais de rega.

Temos assim uma entidade privada que gere um recurso público, estratégico e essencial à vida, a tomar

decisões em que o interesse económico dos grandes produtores agrícolas se sobrepõe ao interesse público,

nomeadamente o de garantir o abastecimento doméstico de água e de garantir o acesso á água à pequena

agricultura. Acresce que os caudais existentes não correspondem aos mínimos ecológicos, provocando assim

danos ao ecossistema e na biodiversidade.

A concessão da captação de água para rega na albufeira de Santa Clara foi atribuída em 2011 à Direção-

Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR). No entanto, o contrato de concessão da DGADR foi

posteriormente outorgado à ABM, tendo sido também concessionada a esta entidade a produção de energia

hidroelétrica no aproveitamento hidroagrícola do Mira. A concessão da utilização dos recursos hídricos para o

abastecimento público foi atribuída à Águas Públicas do Alentejo.

Na albufeira, são captados anualmente 2,5 milhões de metros cúbicos de água para abastecimento público,

o que contrasta com os cerca de 33,8 milhões de metros cúbicos para a campanha de rega. O volume captado

para as explorações agrícolas do Perímetro de Rega do Mira é já cerca de 14 vezes superior ao captado para

abastecimento público. Mesmo assim, as novas explorações agrícolas em regime intensivo cobertas por estufas,

estufins e túneis, ou a céu aberto, não param de crescer em número e em área. Estas explorações são

responsáveis pela extração de volumes crescentes e insustentáveis de água numa das regiões do País onde a

escassez hídrica é das mais acentuadas – uma tendência que se tem agravado em resultado dos efeitos da

crise climática.

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

1 – Garanta a gestão pública da albufeira e da água do Perímetro de Rega do Mira, revogando a concessão

da utilização dos recursos hídricos da albufeira de Santa Clara atribuída à Associação de Beneficiários do Mira,

devolvendo-a à Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural;

2 – Garanta que as captações de água existentes ou a criar dão prioridade a infraestruturas de abastecimento

e de resiliência ao abastecimento para uso doméstico;

3 – Garanta regras à produção agrícola no Perímetro de Rega do Mira que a compatibilizem com uma

utilização sustentável da água e de outros recursos existentes, nomeadamente definindo regras de produção

extensiva e com consumo de água mais reduzido;

4 – Garanta um regime de caudais ecológicos a jusante da albufeira de Santa Clara e a recuperação dos

ecossistemas da área de influência do Perímetro de Rega do Mira.

Assembleia da República, 26 de julho de 2022.