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6 DE OUTUBRO DE 2022

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conformação social, evitando impedir escolhas legítimas dos cidadãos face aos caminhos a seguir no âmbito

das políticas de justiça ou nas políticas de finanças públicas. É evidente que a Constituição tem sempre uma

função limitadora, prevenindo e evitando abusos por parte dos poderes executivos ou de maiorias

parlamentares temporárias – sendo esse, aliás, um dos grandes marcos do constitucionalismo pós-1945, mas

não se pode tornar numa força de bloqueio às transformações políticas e sociais, ou uma arma de arremesso

de um certo espectro político-ideológico contra o campo oposto.

O projeto de revisão que agora apresentamos visa, nas diversas áreas da justiça criminal, administrativa e

mesmo fiscal, garantir que os direitos fundamentais continuam com pleno efeito jurídico, mas não

obstaculizam a mudanças que sejam desejadas e aprovadas pelos cidadãos, seja de forma a promover a

eficácia do sistema de justiça, seja no âmbito da relação dos cidadãos com o Estado. Alterações como a da

criação de um recurso de amparo, por exemplo, consistindo numa ferramenta de defesa dos cidadãos, junto

do Tribunal Constitucional, face às ameaças aos seus direitos, iluminam também o caminho que se quis

percorrer: promover reformas importantes, por vezes paradigmáticas, nas várias instituições fundamentais ou

no sistema de justiça, sem reduzir o núcleo de direitos dos cidadãos. Esta proposta não é, aliás, inovadora no

quadro parlamentar português: muitos partidos já o propuseram, no âmbito de anteriores propostas de revisão

constitucional.

A parte relativa aos direitos e deveres fundamentais, bem como a relativa aos direitos, liberdades e

garantias tem sofrido várias alterações ao longo dos anos, o que de resto tem acontecido também noutros

países. Ainda assim, devido às novas tecnologias, às novas perceções sobre determinadas condutas, bem

como às novas formas de crime, importa fazer novos ajustes. Veja-se, como exemplo, a recente declaração de

inconstitucionalidade da designada «lei dos metadados», Lei n.º 32/2008, de 17 de julho. O Tribunal

Constitucional entendeu que certos artigos da referida lei violavam o princípio da proporcionalidade na

restrição dos direitos à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.º 1, da CRP); o direito ao

sigilo das comunicações (artigo 34.º, n.º 1, da CRP) e o direito de tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º, n.º 1,

da CRP). Tal como refere Bacelar Gouveia5, é preciso encontrar um novo equilíbrio entre as exigências de

liberdade e as exigências de segurança, de forma a manter a essência do Estado de direito. Assim, importa

assegurar o direito à privacidade dos cidadãos, no entanto, é razoável que em certas circunstâncias esses

direitos sejam restringidos, por exemplo, se estiver em causa a prática de um crime de terrorismo.

Nesses casos, em que verdadeiramente se verificaram vários direitos constitucionais em conflito, admitem-

se certas restrições desde que acompanhadas de mais garantias para os cidadãos. Por exemplo, voltando a

usar o mesmo acórdão, o direito à privacidade é um direito fundamental, no entanto, para assegurar

proporcionalidade, os casos em que este direito pode ser restringido devem estar expressos em lei, apenas

deve ser possível a sua restrição quando esteja em causa criminalidade muito grave e deve sempre obrigar à

intervenção de um juiz. Conforme Jorge Reis Novais defende «De facto, a limitação dos direitos fundamentais,

maior ou menor, é algo que configura normalidade em Estado de direito, havendo um sem-número

praticamente ilimitado de possíveis situações em que a restrição de um direito pode ser justificada: para

salvaguardar direitos de outras pessoas, para prosseguir um interesse público, para proteger um bem da

comunidade, para garantir até outros direitos do mesmo titular.»6 O que de resto também decorre do artigo

29.º, n.º 2, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que dispõe que «No exercício destes direitos e no

gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vistas

exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de

satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática».

É nesse contexto que se introduzem alterações nesta revisão constitucional que dizem respeito à aplicação

de penas de caráter perpétuo, a aplicação de penas que digam respeito a tratamentos químicos que se

considerem necessários para a prevenção de crimes de natureza sexual, ou exceções ao princípio da

presunção de inocência. Todos estes pontos têm em comum o facto de terem subjacente direitos

fundamentais, mas a sua excecionalidade justifica-se pela necessidade de defender outros direitos

fundamentais, também. Por outras palavras, a condenação a uma pena de prisão, por exemplo, implica

sempre a restrição do direito fundamental à liberdade que, no entanto, se mostra necessária para garantir um

outro direito fundamental: o direito à segurança. As propostas do Chega neste âmbito têm precisamente essa

5 Op. Cit., pág. 507. 6 Jorge Reis Novais, Limites dos Direitos Fundamentais, Coimbra, Almedina, 2021, pág. 235.