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II SÉRIE-A — NÚMERO 96

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base, todas elas visam garantir direitos constitucionalmente consagrados, o direito à vida, à segurança e à

integridade física. De resto, estas propostas não têm carácter inovador, inclusivamente são prática em vários

ordenamentos jurídicos semelhantes ao português ou que pelo menos partilham os mesmos valores.

Veja-se novamente o exemplo da pena de prisão perpétua. A grande maioria dos países europeus tem, no

seu ordenamento jurídico, o instituto da prisão perpétua, falamos de países como Inglaterra, Alemanha ou

França. Por exemplo, este ano em França, o homem que cometeu o homicídio da menina lusodescendente

Maëlys de Araújo, foi condenado a pena perpétua, com prisão mínima de 22 anos e considerado pelo

Ministério Público como um «perigo social absoluto». Em Portugal o máximo que poderia acontecer era ser

aplicada uma pena de 25 anos, que nunca é cumprida na totalidade.

Quando estamos perante fenómenos de criminalidade grave e violenta, homicídios, terrorismo e mesmo no

âmbito de criminalidade sexual especialmente perversa e grave, a aplicação da pena de prisão perpétua pode

permitir uma realização mais apurada da justiça e das suas finalidades de prevenção geral e especial.

O próprio Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) já por diversas vezes sublinhou que a prisão

perpétua, desde que admita revisão, é perfeitamente compatível com a Convenção Europeia dos Direitos

Humanos (CEDH). Mais, o Estatuto de Roma, de que Portugal é Estado Parte, aprova a criação do Tribunal

Penal Internacional e prevê expressamente no artigo 77.º a possibilidade de aplicação de pena de prisão

perpétua.

Outro exemplo é o da designada pena de «castração química» para prevenir a prática de crimes de

natureza sexual. Tem sido entendimento da Assembleia da República que uma tal pena contraria o disposto

no artigo 25.º da CRP, que dispõe que «Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis,

degradantes ou desumanos», tendo inclusivamente recusado o debate de propostas que preveem a inclusão

da referida pena na legislação.

Importa desde já referir que a castração química não é permanente e é administrada por via

medicamentosa com o objetivo de reduzir a líbido. Mais especificamente a «A castração química envolve a

administração de drogas bloqueadoras de andrógenos, tais como acetato de ciproterona ou medicamentos de

controlo de natalidade. São administrados com uma injeção, em média de três em três meses (…) O uso

destes medicamentos em homens reduz o desejo sexual, fantasias sexuais compulsivas e a capacidade de

excitação sexual».7 Concluindo-se que não consubstancia qualquer tratamento cruel ou degradante. Tanto

assim é que muitos países europeus (e não só) aplicam este tipo de pena, é o caso da Moldávia, Polónia,

Estónia, Suécia, Dinamarca, Alemanha, Reino Unido, entre outros. De uma forma ou de outra, quase todos os

países que preveem a possibilidade de tratamento químico preveem normas na sua constituição semelhantes

à já citada, e isso não os impede de aplicar este tipo de pena. No caso português, para que não restem

dúvidas, clarifica-se esse ponto no texto constitucional, pois considera-se fundamental a prevenção da prática

de crimes de índole sexual, bem como da sua reincidência, sendo que segundo Antenor da Costa Silva Júnior,

após o tratamento a reincidência reduz de 75% para 2%.8

Outras alterações são necessárias, nomeadamente no que diz respeito ao princípio da presunção de

inocência, que tem sido o argumento usado pelo Tribunal Constitucional para não admitir a previsão do crime

de enriquecimento ilícito. Em suma, o Tribunal considera que exigir a um titular de órgão político que justifique

o seu acréscimo de património, consubstancia uma inversão do ónus da prova e, consequentemente, o

princípio de inocência é violado. A verdade é que os titulares de cargos políticos, pelas funções que exercem,

pelo impacto da sua conduta para toda a sociedade e modelo de governação, devem ter exigências acrescidas

no que diz respeito às obrigações declarativas e legais. As últimas alterações legislativas nesta matéria

focaram-se precisamente na criminalização do incumprimento do dever de declarar os bens, mas o Chega

considera que isso não é suficiente. Não basta declarar, se existe um património que não corresponde aos

rendimentos de um titular de cargo público, o visado deve justificá-lo.

Não se trata, por isso, de introduzir abstrações, mas sim de aprofundar e aperfeiçoar o dever de realização

da justiça a que o Estado está constitucionalmente adstrito. Um Estado tem o dever de proteger a comunidade

do perigo e da ameaça, o que só é possível se dispuser dos instrumentos coercivos legítimos que permitam

realizar essa proteção, independentemente do decurso do tempo.

7 Celso Leal, Crimes Sexuais e Castração Química no Ordenamento Jurídico Português, 1.ª Edição, Rei dos Livros, 2019, pág. 41 8 Antenor da Costa Silva Júnior, Castração Química X Dignidade da Pessoa Humana, apud, Celso Leal, Crimes Sexuais e Castração Química no Ordenamento Jurídico Português, 1.ª Edição, Rei dos Livros, 2019, pág. 12.