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12 DE OUTUBRO DE 2022

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PARTE II – Opinião da relatora

Este projeto de lei do Bloco de Esquerda padece, na opinião da relatora, das três principais dificuldades

apontadas ao Projeto de Lei n.º 267 apresentado na Legislatura passada pela Deputada não inscrita Cristina

Rodrigues, pelo que aqui se reproduzem as considerações nele expendidas:

1. O crime de divulgação não consentida de fotografias ou vídeos que contenham nudez ou ato

sexual como crime contra a liberdade sexual e não contra a reserva da vida privada.

O primeiro grande problema suscitado por esta iniciativa legislativa prende-se com a neocriminalização como

crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de uma conduta até agora subsumível no âmbito dos crimes

contra a intimidade da vida privada. Daqui resulta uma interrogação não despicienda: o bem jurídico-penal que

se pretende tutelar com a criminalização é a liberdade e autodeterminação sexual ou é a intimidade da vida

privada? Existe alguma razão para uma tão significativa alteração do enfoque que vem sendo dado a estas

condutas?

A disseminação não consensual de imagens íntimas – associada à partilha de imagens sexualmente

explícitas ou implícitas sem o consentimento da pessoa fotografada ou filmada – tem sido sobretudo

apresentada, no plano do direito comparado, como conduta violadora do direito ao respeito pela vida privada e

familiar, consagrado no artigo 7.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – «Todas as pessoas

têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações». Neste

sentido, por exemplo, deve ter-se em conta a resposta da Comissão Europeia, em 2015, depois de ter sido alvo

de uma pergunta parlamentar através da qual se questionava se o direito ao esquecimento podia ser convocado

como fundamento para um apagamento de dados. Em 2017, confrontada com pergunta idêntica, a Comissão

reiterou aquele entendimento, assim como a admissão da possibilidade de requerer a remoção de dados a

motores de busca e websites. Este direito ao esquecimento, por vezes associado ao direito ao apagamento de

dados, chegou a ser apresentado como «remédio ideal» para as vítimas de disseminação não consensual de

imagens íntimas1.

De facto, o efeito porventura mais nocivo da disseminação não consensual de imagens íntimas é a

perpetuação da exposição das imagens de cariz privado, contra a vontade da vítima, tornando-se impossível a

reparação ou a neutralização dos danos sofridos, na medida em que tais danos se produzem continuadamente

ou de forma permanente. A consumação continuada dos danos relaciona-se com uma das principais

características da era digital: a «ascensão meteórica da lembrança» ou «um mundo que é programado para

lembrar»2. Mas talvez se trate de algo pior do que uma consumação continuada de danos – podem estar em

causa verdadeiros danos permanentes para a reserva da vida privada, o bom nome, a honra ou a reputação de

uma pessoa. Uma vez divulgadas online, as imagens íntimas cuja partilha não foi autorizada podem ser

visualizadas por um número indeterminado e crescente de pessoas, sendo extraordinariamente difícil o seu

apagamento porque, mesmo que sejam removidas do servidor, podem ter já sido guardadas por um conjunto

indefinido de pessoas desconhecidas.

Uma das manifestações mais comuns da disseminação não consensual de imagens íntimas é a revenge

porn (pornografia de vingança), relacionada com as hipóteses em que, terminado um relacionamento afetivo, há

divulgação por um dos sujeitos (com mais frequência, um homem) de imagens íntimas do outro (com mais

frequência, uma mulher), sem o seu consentimento, como forma de vingança. A pornografia de vingança é,

porém, apenas uma das manifestações da disseminação não consensual de imagens íntimas, na medida em

que as motivações de quem partilha tais imagens podem ser de outra índole. O agente do crime pode,

nomeadamente, almejar o lucro, a manipulação ou a subjugação da pessoa cujas imagens são divulgadas, a

gratificação sexual sua ou de outros.

As imagens íntimas da vítima podem chegar ao autor da sua divulgação não autorizada por diversas vias.

Se há casos em que é a própria vítima que envia tais imagens ao futuro agressor, com frequência no contexto

de uma relação íntima já existente ou desejada, em outras hipóteses tais imagens são obtidas contra a vontade

1 Cfr. Érica Nogueira Soares D`ALMEIDA, Disseminação Não Consensual da Imagens Íntimas – Uma Análise à Luz do Regulamento Geral de Proteção de Dados, dissertação de mestrado, FDUC: 2020, págs. 8 e 9. 2 Cfr. Viktor MAYER-SCHÖNBERGER, Delete: The Virtue of Forgetting in the Digital Age, New Jersey: Princeton University Press, 2009.