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12 DE OUTUBRO DE 2022

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plataformas que permitem a reprodução e/ou a partilha. Os danos sofridos pelas vítimas são, portanto,

potenciados pelo não apagamento das fotografias ou dos vídeos. A reparação, pelo menos parcial, dos seus

danos, pressupõe esse apagamento.

O excessivo enfoque que é dado no projeto à dimensão punitiva (ou jurídico-penal) vem acompanhado de

uma certa desvalorização das medidas necessárias para fazer cessar a divulgação não consentida de fotografias

ou vídeos que contenham nudez ou ato sexual como crime público.

Em síntese: A iniciativa legislativa radica no reconhecimento de uma realidade criminal (a exposição não

consentida da intimidade de outrem) que, não sendo nova, adquiriu novos contornos através de uma expansão

dos modos de execução, dos instrumentos e do potencial de chegar a um número mais vasto de destinatários,

prolongando-se no tempo os danos causados às vítimas. Estas condutas são já suscetíveis de punição

sobretudo através do crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal (nomeadamente

nos casos de pornografia de vingança contra alguém com quem se teve um relacionamento afetivo) ou através

do crime de devassa da vida privada contemplado no artigo 192. do Código Penal quando a indiscrição tem

vítimas relativamente às quais inexiste o contexto relacional pressuposto na violência doméstica. Apesar de as

condutas não serem, portanto, atípicas e insuscetíveis de punição, reconhece-se a possível insuficiência da

moldura penal prevista para o crime de devassa da vida privada7. Todavia, não se julga que a forma de

ultrapassar este problema, corretamente identificado, consista na criação de um novo crime, para mais

configurado como crime contra a liberdade sexual e como crime público.

Finalmente, deve notar-se que a estas críticas já formuladas relativamente a projetos anteriores, acresce a

esta iniciativa uma dificuldade nova e intransponível, associada à classificação como «pornografia» destas

condutas. Como muito enfaticamente se assinala no parecer do Conselho Superior da Magistratura, «é

eticamente censurável qualificar como pornográficos conteúdos que apenas mostram nudez ou mesmo atos

sexuais praticados em contexto de intimidade e confiança». Concluindo-se, ainda, que «o projeto de lei em

análise parte da inadmissível premissa de que tirar uma fotografia na intimidade, ainda que em nudez parcial ou

total, ou registar em imagem um ato sexual no contexto de uma relação de intimidade, no pressuposto de que o

registo se mantenha privado, é pornografia, o que é enganador».

PARTE III – Conclusões

1. O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda apresentou o Projeto de Lei n.º 208/XV/1.ª (BE), que visa a

criação de um crime de pornografia não consentida através do aditamento ao Código Penal de um novo crime

contra a liberdade e autodeterminação sexual previsto num artigo 170.º-A.

2. Este projeto de lei, além de aditar um novo artigo 170.º-A ao Código Penal, opta por lhe outorgar a

natureza de crime público, propondo-se ainda uma alteração ao Código de Processo Penal com o intuito de criar

um específico regime de suspensão provisória do processo.

3. A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer que ambos os

projetos de lei reúnem os requisitos regimentais e constitucionais para serem discutidos e votados em Plenário.

Palácio de São Bento, 12 de outubro de 2022.

A Deputada relatora, Cláudia Santos — O Presidente da Comissão, Fernando Negrão.

Nota: As Partes I e III do parecer foram aprovadas, por unanimidade, tendo-se registado a ausência do CH,

7 Como se reconhece no parecer do Conselho Superior da Magistratura, «no quadro atual, existe uma enorme assimetria entre a punição prevista para este tipo de comportamento quando ocorrido em contexto de violência doméstica, ou fora dele, sendo manifestamente branda a punição estatuída para estes últimos casos, o que tornam de facto, imperioso o reconhecimento por parte do legislador da gravidade deste tipo de comportamentos e da necessidade de os punir com acrescida severidade (…)». Acrescenta-se que «face à dimensão do fenómeno, à facilidade de partilha de dados pessoais, documentos, filmes, vídeos, imagens através da Internet e, em particular das redes sociais, bem como aos danos que determinadas condutas provocam na intimidade da vida privada das pessoas e à dificuldade, ou mesmo impossibilidade, em certos casos, de fazer cessar os seus efeitos, se impõe uma intervenção mais robusta do legislador, designadamente ao nível da punição do crime. Todavia, a nosso ver, não se justifica, para alcançar tal desiderato, uma sobreposição de normas, sempre geradora de oscilações interpretativas (…). Não é, portanto, de criar um novo tipo legal de crime, quando, como se viu, o artigo 192.º acautela o bem jurídico que está em causa».