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II SÉRIE-A — NÚMERO 187

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PROJETO DE LEI N.º 681/XV/1.ª

REFORÇA A PROTEÇÃO DAS VÍTIMAS DE CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL, ALTERANDO

O CÓDIGO PENAL E A LEI DE ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS

Exposição de motivos

A opção do legislador penal português pela natureza semipública de alguns crimes contra a liberdade

sexual – como a violação, a coação sexual e o abuso sexual de pessoa incapaz de resistência – prende-se

com a valorização da autonomia das vítimas no que respeita às opções sobre as respostas de que necessitam

depois da ocorrência do crime. As especificidades destes crimes (os danos que causam à pessoa nas suas

dimensões mais identitárias) e a natureza do processo penal (como espaço de descoberta da verdade que não

prescinde do contraditório porque dele pode depender a condenação do arguido numa pena) potenciam os

riscos de vitimização secundária inerentes ao contacto da vítima com as instâncias formais de controlo. Por

isso, entende-se que o processo penal não deve ser imposto às vítimas adultas de crimes sexuais, sob pena

de se admitir a sua instrumentalização em nome de representações comunitárias.

No âmbito do Conselho da Europa, foi adotada em 2011 a Convenção de Istambul – Convenção para a

Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica1, aprovada através da

Resolução da Assembleia da República n.º 4/2013, de 21 de janeiro. Dispõe-se no seu artigo 55.º, sob a

epígrafe «Processos ex parte e ex officio», que «1 – As Partes deverão garantir que as investigações das

infrações previstas nos artigos 35.º, 36.º, 37.º, 38.º e 39.º da presente Convenção ou o procedimento penal

instaurado em relação a essas mesmas infrações não dependam totalmente da denúncia ou da queixa

apresentada pela vítima, se a infração tiver sido praticada no todo ou em parte no seu território, e que o

procedimento possa prosseguir ainda que a vítima retire a sua declaração ou queixa». Procurando

corresponder a esta solução, quanto aos crimes de coação sexual e de violação, passou desde 2015 a dispor-

se no n.º 2 do artigo 178.º do Código Penal que «quando o procedimento pelos crimes previstos nos artigos

163.º e 164.º depender de queixa, o Ministério Público pode dar início ao mesmo, no prazo de seis meses a

contar da data em que tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, sempre que o interesse da vítima o

aconselhe»2. A nova redação dada ao n.º 2 do artigo 178.º do Código Penal – e a possibilidade de em certas

situações o Ministério Público desencadear oficiosamente o processo criminal – parece salvaguardar o

pretendido pela Convenção.

Na doutrina portuguesa sublinha-se que, no que respeita aos compromissos internacionais e à avaliação a

que a legislação portuguesa é objeto no âmbito do GREVIO, «parece seguro que a lei portuguesa cumpre

perfeitamente o segmento do artigo 55.º, n.º 1, da Convenção de Istambul, na parte em que impõe aos

Estados o dever de garantir que o procedimento pelos crimes de Coação sexual e de Violação não dependa

inteiramente da queixa da vítima», na medida em que, por força do novo n.º 2 do artigo 178.º do Código Penal,

«a vítima nunca tem, em caso algum, um poder absoluto de impedir o início de um procedimento penal por

estes crimes, e é precisamente isso que a Convenção pretende» – aduzindo-se enfaticamente que «a

transformação da Coação Sexual e da Violação em crimes públicos não só não é exigida pelo direito

internacional como criará desnecessariamente casos de vitimização secundária, que obrigarão a vítima a

participar, eventualmente muitos anos depois dos factos, de um procedimento formal que ela não deseja, e, no

limite, a iniciar procedimentos penais em casos em que a própria vítima – ao invés do Ministério Público – não

se autorrepresenta como tal»3.

Não obstante, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista entende que é ainda possível contribuir para uma

melhoria das normas penais relativas aos crimes contra a liberdade sexual em três planos.

1 Sobre o âmbito desta Convenção e sobre a possibilidade de «levantar algumas questões de compatibilidade constitucional (…) num sistema de Direito Penal dito de intervenção mínima», cfr. Teresa Beleza, Consent – it’s as simple as a tea: Notas sobre a relevância do dissentimento nos crimes sexuais, em especial na violação, Combate à Violência de Género – Da Convenção de Istambul à nova legislação penal,Coord. Maria da Conceição Cunha, Porto: Universidade Católica Editora, 2016, p. 18. 2 Esta redação foi introduzida pela Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto. 3 Cfr. Pedro Caeiro, Observações sobre a projectada reforma do regime dos crimes sexuais e do crime de violência doméstica, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 29, n.º 3, 2019, p. 668 ss (a publicação tem na base as observações enviadas ao grupo de trabalho – Alterações Legislativas – Crimes de Perseguição e Violência Doméstica, da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, da Assembleia da República, como complemento da audição que teve lugar a 31 de Maio de 2019.