O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

29 DE MARÇO DE 2023

29

mais uma realidade linguística singular em Portugal e, até, na Península Ibérica, que pela sua subsistência até

ao presente, passou a merecer também uma intervenção normativa, em linha, aliás, com os movimentos

europeus e internacionais de proteção deste tipo de património imaterial linguístico.

Quanto às suas origens, estima-se que nas suas raízes remotas o Barranquenho possa decorrer da

permanência, desde o período medieval, em torno do Castelo de Noudar, antiga sede de concelho, de população

proveniente de Castela, tendo a manutenção de contacto contínuo entre as terras de Barrancos e as populações

vizinhas espanholas contribuído para a permanência desta especificidade linguística, que a literatura científica

tem reconduzido tradicionalmente a um dialeto do Português, a uma fala local ou, nalguns casos, a uma língua

mista.

Ainda que o desenvolvimento da investigação mais intensa em torno do barranquenho corresponda ao último

quartel do Século XX e ao Século XXI, um papel pioneiro deve ser reconhecido à obra de José Leite de

Vasconcelos que, já numa fase tardia da sua produção científica, deixou um trabalho de referência na sua

Filologia Barranquenha – Apontamentos para o seu estudo, publicado postumamente em 1955, a partir de

trabalho de campo realizado nas décadas de 30 e 40 do Século XX.

Mais recentemente a partir da década de 90 do Século XX, e no quadro de um movimento que convoca

vários investigadores, em Portugal e Espanha, desenvolve-se um debate científico em torno da revisão do

estatuto e da tipologia até aqui atribuída a esta variedade linguística mista, no sentido de identificar no

Barranquenho uma língua de contacto e minoritária, mais do que apenas um dialeto, uma fala fronteiriça ou uma

fala raiana, como outros autores tradicionalmente o qualificavam. Ainda que possa subsistir o debate científico

em torno da sua classificação, todos os autores e investigadores são unânimes na deteção de uma manifestação

cultural imaterial identitária clara e merecedora da proteção e valorização.

O Barranquenho, uma língua híbrida, ainda que sem tradição escrita, única no mundo pelo seu carácter misto

de português e espanhol, falado pelos cerca de 1300 residentes e por todos os naturais do Concelho há vários

séculos, constitui, pois, um lugar de encontro de culturas peninsulares e guarda um resquício da literatura oral

peninsular.

Todavia, cientes de que a vitalidade que o Barranquenho evidencia não permite, contudo, afastar todas as

ameaças que pairam sobre a sua subsistência (como qualquer língua falada por menos de 5000 pessoas tende

a considerar-se ameaçada, acrescendo o facto de o envelhecimento dos falantes e o desaparecimento da

geração mais velha poderem traduzir-se na perda irreparável deste património linguístico), as autoridades

públicas mobilizaram-se para a sua preservação.

Também aqui, em primeira linha, os órgãos autárquicos foram determinantes. Em 1999, a Câmara Municipal

de Barrancos criou o Grupo de Estudos do Barranquenho (GEB) e, em 2008, deu novo passo fundamental

procedendo à classificação do Barranquenho como Património Cultural Imaterial de Interesse Municipal,

apontando o caminho para o desenvolvimento de uma política linguística estruturada e com ações concretas de

valorização, reconhecimento e proteção, traduzida em parcerias com a academia (Universidade de Évora,

Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, Universidade Complutense de Madrid), na colaboração com a

Direção Regional de Cultura do Alentejo e outros organismos públicos e privados e em inúmeros congressos e

conferências dedicados ao Barranquenho.

Mais recentemente, à semelhança do percurso realizado em relação à língua mirandesa, a Assembleia da

República reconheceu a necessidade de um enquadramento normativo de proteção e salvaguarda do

Barranquenho, aprovando a Lei n.º 97/2021, de 15 de novembro, que, em grande medida, se inspirou no diploma

de 1999 de salvaguarda do mirandês.

Em 2021, Portugal assinou a Carta Europeia de Línguas Regionais e Minoritárias do Conselho da Europa, a

qual visa, desde 1992, proteger e promover as línguas regionais e minoritárias históricas da Europa, mantendo

e desenvolvendo a herança e tradições culturais europeias, afirmando o direito inalienável e comummente

reconhecido de uso das línguas regionais e minoritárias na vida pública e na esfera privada.

Assim, tendo em conta este percurso, importa neste momento, depois de todos os passos dados pelo

Governo de Portugal e pelas entidades municipais e associativas da Terra de Miranda, bem como ao percurso

em curso em relação ao Barranquenho, que a Carta Europeia das Línguas Regionais seja ratificada por Portugal,

a qual só entrará em vigor depois do depósito do instrumento de ratificação junto do Conselho da Europa.

A Carta constitui um instrumento crucial para a concretização das políticas públicas necessárias à proteção

e promoção de um património nacional único para as gerações futuras e para a Humanidade.