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II SÉRIE-A — NÚMERO 244

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PROJETO DE LEI N.º 828/XV/1.ª (2)

(CRIA O ESTATUTO DO REFUGIADO CLIMÁTICO)

Exposição de motivos

O número de pessoas que terão de abandonar as próprias casas nas próximas décadas em resultado de

movimentos migratórios causados pela crise climática tende a aumentar. O mais recente relatório1 do Internal

Displacement Monitoring Center (IDMC) mostra que, só no ano passado, 22,3 milhões de pessoas se

deslocaram em resposta a desastres associados ao clima. A média anual registada2 entre 2008 e 2020 era de

cerca 21 milhões.

Desde famílias a fugir da seca extrema na Somália, a comunidades inteiras desalojadas pelas cheias no

Paquistão, torna-se claro que as migrações motivadas pelos fenómenos climáticos se intensificaram e cada vez

mais se farão sentir.

Mas não achemos que os efeitos das alterações climáticas e fenómenos extremos são uma realidade distante

dos países da Europa, vejam-se as cheias que recentemente tiraram a vida em Portugal a pelo menos duas

pessoas ou na Itália que tiraram a vida a pelo menos 14 pessoas e afetaram mais de 10 mil pessoas, que foram

desalojadas e um incontável número de animais que foram igualmente afetados.

Por isto, o conceito jurídico e prático de «refugiado climático» urge ser definido, com vista à proteção das

famílias que se vêm obrigadas, pela sua vida, a sair do seu país de origem, realidade que Portugal não deverá

estar alheia, na medida em que será um país fortemente afectado pelas alterações climáticas e consequentes

eventos extremos.

Não conceder devida proteção jurídica e asilo a quem foge destes fenómenos é agudizar a crise humanitária

que já vivemos e fracassar nos objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas (ONU).

Ainda que tenhamos conhecimento das divergências na utilização do conceito de «refugiado» pela proteção

legal que tem implícita, e por, em 2018, o Conselho de Direitos Humanos da ONU indicar que o termo

«refugiado» não se aplicaria aos migrantes climáticos, uma vez que, na prática, estes não têm acesso às

mesmas proteções legais, entendemos que é urgente que seja dado tratamento semelhante, com as

necessárias adaptações, aos migrantes climáticos.

No mesmo ano, a ONU adoptou a resolução do Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e

Regular, onde referem que um dos fatores que causam movimentos de pessoas em grande escala são «os

impactos adversos das mudanças climáticas e da degradação ambiental», incluindo desastres naturais,

desertificação, degradação dos solos, seca hidrológica e aumento do nível do mar.

O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, recorreu ao termo «refugiado» para invocar a necessidade de

proteger «quem tudo perde após um evento climático extremo», referindo que «a mudança climática é agora

considerada o principal fator que acelera todos os outros de deslocamento forçado. Essas pessoas não são

verdadeiramente migrantes, no sentido de que não se moveram voluntariamente. Como deslocados forçados

não abrangidos pelo regime de proteção dos refugiados, encontram-se num vazio legal»3.

Com a criação deste estatuto, o PAN pretende dar resposta a este vazio legal e não só alargar aos refugiados

climáticos a proteção e asilo concedido às situações hoje subsumidas no conceito de refugiado, como endereçar

as especificidades da migração forçada climática, incluindo todos para quem o seu país de origem tornou a sua

subsistência impossível, por processos lentos ou eventos repentinos.

Na Somália, por exemplo, desde 1990, verificaram-se mais de 30 emergências relacionadas com o clima,

tais como seca extrema, inundações severas e pragas. Só em 2020, 919 mil pessoas foram deslocadas pelas

cheias e 144 mil hectares de solo agrícola foram devastados. Estima-se que haja cerca de três milhões de

somalis deslocados internamente, sendo que pelo menos 642 mil procuraram refúgio em países próximos.

Em contextos como estes, é fundamental que Portugal adote medidas efetivas para proteger e oferecer

assistência adequada, garantindo o respeito pelos direitos humanos e a possibilidade de uma vida digna.

Considerando Portugal como um Estado-Membro responsável da comunidade europeia e internacional, é

1 Https://www.internaldisplacement.org/sites/default/files/publications/documents/IDMC_GRID_2022_LR.pdf. 2 https://www.internaldisplacement.org/database/displacement-data. 3 Clima obrigou mais de 22 milhões de pessoas a deixar casas em 2021 – Clima – Público (publico.pt).