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II SÉRIE-A — NÚMERO 13

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pena de cadeia efetiva – o que ainda nunca aconteceu em Portugal – tem, para o autor do artigo, um efeito

dissuasor da prática deste tipo de crime que não é de menosprezar.

No mesmo sentido do que vai exposto, mais de 70 juristas subscreveram um manifesto em nome do

progresso civilizacional já alcançado pela ordem jurídica portuguesa e, bem assim, da sua estabilidade e

conformidade constitucional, defendendo que o entendimento fundamentado pelos juízes conselheiros «é

excessivamente formalista, tem gerado enorme perplexidade entre juristas e não juristas, para além de grande

alarme social e de calamitosa injustiça em sucessivos casos de maus-tratos que chocaram, e chocam, o País»4.

Como bem observam os juristas e fazendo uso do defendido por Reis Novais, a Constituição não é um

catálogo de bens jurídicos5 e, bem assim, não se restringe ao elemento literal. Caso contrário, como bem aponta

Rui Pereira6, muitos outros tipos de crime serão inconstitucionais, como o caso dos crimes contra o respeito

devido aos mortos ou dos crimes contra a vida intrauterina, já que o acórdão sob censura proclama que o

princípio da dignidade da pessoa humana é demasiado abstrato para fundamentar ou restringir direitos

subjetivos.

Não podemos deixar de referir que tal ameaça à manutenção da tutela penal de proteção aos animais de

companhia e criminalização dos maus-tratos e abandono gerou forte incompreensão e indignação social! Com

efeito, também a sociedade civil se manifestou pela defesa da lei que criminaliza os maus-tratos a animais,

apresentando, na Assembleia da República, uma petição que recolheu a assinatura de mais de 90 mil

subscritores, em menos de três meses, para que o valor intrínseco dos animais fosse incluído na Constituição

da República Portuguesa, pela manutenção da tutela penal de criminalização dos maus-tratos e abandono de

animais de companhia e o alargamento da sua proteção aos demais animais.

As decisões do Tribunal Constitucional convocam duas dimensões essenciais para o debate sobre a

criminalização dos maus-tratos contra animais. Por um lado, respaldando a decisão na inexistência de um bem

jurídico constitucionalmente protegido suscetível de habilitar a restrição ao direito à liberdade, nos termos do

artigo 27.º da Lei Fundamental, através de uma sanção penal privativa da liberdade, clarificar o bem jurídico

constitucionalmente protegido, centrado no valor intrínseco do animal, pela inclusão necessária em sede de

revisão constitucional.

Sem conceder, quanto a tal circunstância, encontra-se a correr os seus termos uma revisão constitucional

que, entre outras matérias, nomeadamente no projeto de revisão constitucional apresentado pelo PAN7 assume

esta inclusão do valor intrínseco do animal como fundamental para uma maior segurança jurídica e atribuir

dignidade constitucional aos demais seres vivos com quem partilhamos o planeta. Por outro lado, e ainda que,

em suma, as decisões se prendam com a inexistência de bem jurídico, alguns juízes conselheiros divergiram

desse entendimento e consideraram estar perante a existência de um bem jurídico com suficiente densidade

constitucional para preencher a exigência do texto constitucional, sustentando, porém, que a norma em presença

incumpre as exigências de tipicidade e determinabilidade exigidas pelo n.º 1 do artigo 29.º da Constituição da

República, concretamente por aludir a conceitos indeterminados que ditariam a inconstitucionalidade da norma,

em particular ao nível da norma que estabelece o conceito de animal, o conteúdo da ação penalmente censurada

e o conceito excludente da prática de ilícito, incitando aos legisladores que procedam a essa clarificação.

Todavia, e ainda que consideremos que inexiste qualquer inconstitucionalidade, é indubitável que o valor

intrínseco dos animais, enquanto seres sencientes, deve ter proteção explícita na nossa Constituição, tal como

já o fazem diversos outros ordenamentos jurídicos, esclarecendo e afastando qualquer risco de uma eventual

declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral e acompanhando o passo civilizacional já dado

por outros países.

Os animais têm direitos naturais, independentemente do seu reconhecimento ou não pelo direito positivo, os

quais decorrem da sua condição e necessidades e cujo relevo deve ser respeitado pela ordem jurídica.

E, apesar de entendermos que existe bem jurídico protegido por força de uma interpretação atualista da Lei

Fundamental, desde a sua fundação que o PAN defende que o dever de proteção e bem-estar animal deve ser

introduzido expressamente na Constituição da República Portuguesa.

Alguns países, como é exemplo paradigmático a Alemanha, desenvolveram normativos de índole

4 Manifesto – A tutela penal dos animais não é inconstitucional (Wordpress.com) 5 Cf.https://www.publico.pt/2021/11/23/opiniao/opiniao/tribunal-constitucional-regride-40-anos-1985863 6 Cf.https://www.cmjornal.pt/opiniao/colunistas/rui-pereira/detalhe/20211119-2349-os-animais-na-constituicao 7 Detalhe Iniciativa (parlamento.pt)