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3 DE OUTUBRO DE 2023

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constitucional, ocorrida em 2005, que previu a realização de referendo sobre a aprovação de tratado que vise a

construção e o aprofundamento da União Europeia.

Ainda que, de acordo com Jorge Miranda e Rui Medeiros2 e à luz da Constituição, não seja necessário

identificar o âmbito material de revisão constitucional a operar na sequência da assunção de poderes de revisão

constitucional extraordinária, por razões de transparência, o PAN considera que deverá clarificar os termos e os

fundamentos da consagração constitucional que pretende que seja feita com a presente iniciativa,

nomeadamente a consagração do valor intrínseco dos animais.

No início do presente mês completaram-se nove anos desde que a Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, entrou

em vigor, e que introduziu no Código Penal os crimes de maus-tratos e de abandono de animais de companhia.

Uma lei que teve origem numa petição de cidadãos que recolheu mais de 40 mil assinaturas, tendo sido

aprovada pela quase unanimidade de votos parlamentares, demonstrativo da importância do tema em questão

e do consenso em torno do mesmo.

Com esta lei, Portugal integrou o grupo maioritário de Estados-Membros da União Europeia que criminalizam

os maus-tratos contra animais.

Acontece, porém, que este avanço significativo, que mereceu alargado suporte parlamentar e se baseia num

indubitável clamor social, se encontra em sério risco de enfrentar um enorme retrocesso civilizacional.

Tal acontece, precisamente porque, no final de 2021, um acórdão da 3.ª Secção do Tribunal Constitucional,

em sede de fiscalização concreta, julgou, pela primeira vez, inconstitucional a norma que prevê e pune o crime

de maus-tratos a animal de companhia (artigo 387.º do Código Penal). Ora, pese embora, e com o devido

respeito, o PAN não acompanhe tal entendimento, o Tribunal considerou «inevitável concluir pela inexistência

de fundamento constitucional para a criminalização dos maus tratos a animais de companhia, previstos e

punidos no artigo 387.º do Código Penal». Em causa, a decisão sobre o recurso da pena de prisão de 16 meses

de prisão efetiva pela prática de quatro crimes de maus-tratos a animais de companhia agravados, e na pena

acessória de privação do direito de detenção de animais de companhia pelo período máximo de 5 anos, aplicada

ao antigo enfermeiro, que esventrou a cadela Pantufa, a sangue-frio, deixando-a em grande sofrimento, a morrer,

sem qualquer assistência médico-veterinária e ainda tendo colocado as suas crias no lixo, que acabaram

igualmente por morrer.

Na altura da prolação da sentença de primeira instância, que aplicou ao arguido a pena de 16 meses de

prisão efetiva, o juíz a quo declarou o seguinte: «não sou fundamentalista dos animais. Sou fundamentalista

contra a crueldade», acrescentando «este homem tem que estar na cadeia. Se a cadeia não serve para a

crueldade, serve para quê?»3

Existindo já cinco decisões sobre a mais recente versão da lei e seis sobre a versão original (todas em sede

de fiscalização concreta e, portanto, sem força obrigatória geral), o Ministério Público desencadeou o processo

destinado a declarar a inconstitucionalidade geral e abstrata da lei em apreço. O desencadear deste processo

de fiscalização é obrigatório, por parte do Ministério Público, sempre que os juízes conselheiros considerem, em

três casos concretos, a inconstitucionalidade de determinada norma ou diploma legal.

Porém, e apesar desta obrigação, importa ter em consideração o defendido num artigo publicado na revista

do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, por Ribeiro de Almeida, Procurador do Ministério Público no

Tribunal Constitucional.

Para Ribeiro de Almeida, a questão do princípio constitucional que poderá justificar a criminalização dos

maus-tratos não é nem o princípio constitucional da dignidade humana, nem o da proteção do meio ambiente,

conforme entende alguma doutrina, que igualmente considera a conformidade do diploma com a Lei

Fundamental, mas do artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual Portugal é uma

república «empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária».

Para o procurador «não estão em causa, ao menos imediatamente, os valores constitucionais da dignidade

da pessoa humana e a tarefa estadual da proteção do ambiente, mas um valor socialmente construído,

consubstanciado numa responsabilidade reconhecida pela comunidade dos cidadãos como integrante dos

princípios fundamentais da solidariedade e da justiça perante os animais de companhia».

Acrescentando que tal implica que as leis vigentes acolham «as novas conceções sociais e jurídicas em

matéria de proteção e do bem-estar animal». A possibilidade teórica de alguém que maltrata um animal cumprir

2 Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, dezembro de 2007, página 898. 3Cf.https://www.publico.pt/2018/10/31/local/noticia/condenado-pena-prisao-efectiva-esventrar-cadela-1849483