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16 DE OUTUBRO DE 2023

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Paradoxalmente, a restante humanidade – muitos milhões de pessoas – não tem o suficiente para sobreviver

e enfrenta problemas de subnutrição que, por afetarem dramaticamente as camadas mais jovens da população,

põem em causa gerações inteiras e o futuro desses povos vulneráveis.

Acresce que estas populações desprotegidas dependem dos países desenvolvidos para se alimentarem,

estando frequentemente sujeitas às consequências nefastas de políticas e estratégias comerciais que utilizam

o alimento como fator de pressão e chantagem sobre quem não tem alternativas.

A recente pandemia de COVID-19 e a guerra imposta pela Rússia à Ucrânia mostraram à evidência as

fragilidades dum sistema com estes alicerces.

Mas, já antes, diversas organizações internacionais, instituições e governos haviam percebido que o

desperdício alimentar é imoral, é irracional e insustentável, tanto mais que se prevê que as necessidades

alimentares da humanidade cresçam de 40 % a 54 %, entre 2012 e 2050, impulsionadas pela procura individual

e pelo aumento genérico da população.

Combater o desperdício alimentar é uma prioridade mundial pública e política, uma responsabilidade social

coletiva e uma obrigação que cada um de nós deve interiorizar nas suas escolhas quotidianas.

Portugal é signatário das metas adotadas em 2015 no âmbito das Nações Unidas e relativas à redução do

desperdício alimentar, como parte dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável 2030, apontando-se a

«redução, para metade, do desperdício de alimentos per capita, a nível mundial, e a redução do desperdício de

alimentos ao longo das cadeias de produção e de abastecimento, incluindo os que ocorrem pós-colheita».

A redução do desperdício alimentar está também consignada, de forma transversal, em diversas iniciativas

europeias e nacionais, já que se afirma como objetivo nas políticas ambientais, agrícolas e de pescas.

Em 2016, o Governo português criou a Comissão Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar – na qual

o Ministério da Agricultura participou – visando uma abordagem integrada e multidisciplinar para a definição de

uma Estratégia Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar, articulando o meio académico, as associações

representativas do setor alimentar, os municípios e a sociedade civil. Esta estratégia, aprovada em 2018,

resultou num plano de ação composto de 14 medidas que espelham os objetivos de prevenir, reduzir e

monitorizar o desperdício alimentar, do produtor ao consumidor. Desde essa data, foram já desenvolvidas

diversas iniciativas de sensibilização e informação, assim como alguma produção legislativa.

O presente projeto de lei pretende sistematizar legislação e prática já existentes, alargar o seu alcance,

aprofundar as dinâmicas criadas, estabelecendo condições para operacionalizar processos, agilizar circuitos e

instituir condições para que cada agente da cadeia – per se e em colaboração com os elos próximos – contribua

de forma decisiva para o objetivo comum, de reduzir ao mínimo possível o desperdício alimentar em Portugal.

A doação de alimentos excedentários está já consignada em lei e concorre com outras diligências tendentes

a suprir necessidades de nutrição de camadas mais carenciadas da população, que não encontraram ainda

alternativa, mas a prioridade desta iniciativa legislativa é, a montante, reduzir o desequilíbrio que conduz ao

desperdício.

Almeja-se alcançar esse desiderato com a conjugação de ações e esforços por parte de toda a cadeia, com

especial incidência nos sectores de restauração, hotelaria e similares e na distribuição alimentar – uma vez que,

tanto nas pescas, como na agricultura, já existem posturas e práticas que instam os agentes a agir no controlo

do desperdício e no seu encaminhamento para valorização.

O combate ao desperdício alimentar deve ser apresentado como uma tendência a seguir, um ato de

inteligência, uma atitude a replicar, mormente com forte aposta junto das camadas mais jovens, abertas a alterar

o paradigma e despertas para as questões de emergência climática pelas recentes e mediáticas campanhas

realizadas.

A principal questão não deve ser o que fazer ao desperdício, mas sim como reduzi-lo ao máximo,

responsabilizando cada um pelo excesso que origina, seja nas escolhas de supermercado, seja no restaurante.

Só depois avançam as opções de encaminhamento, que devem apontar primeiramente para a valorização e

venda dos produtos – com ou sem transformação – para consumo humano, colocando estes bens ao dispor do

público e a preços reduzidos, numa estratégia em que todos ganham, os meios empregados são rentabilizados

ao máximo e se reduz a pressão sobre os recursos naturais.

Só numa segunda fase, os produtos devem seguir para a doação, sempre com respeito pelas regras de

higiene e segurança alimentar.

Apenas na etapa seguinte se aponta para a reciclagem, não como resíduo, mas como subproduto de alta

qualidade para outras indústrias ou fertilizante composto para a agricultura, substituindo com vantagem os