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II SÉRIE-A — NÚMERO 22

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igualmente por morrer. Um crime de elevada crueldade e censurabilidade social, à qual o direito penal não pode

nem deve ficar alheio.

Na altura da prolação da sentença de primeira instância, que aplicou ao arguido a pena de 16 meses de

prisão efetiva, o juíz a quo declarou o seguinte: «não sou fundamentalista dos animais. Sou fundamentalista

contra a crueldade», acrescentando «este homem tem de estar na cadeia. Se a cadeia não serve para a

crueldade, serve para quê?»3.

Neste momento existem, pelo menos, já cinco decisões sobre a mais recente versão da lei e seis sobre a

versão original (todas elas emitidas em sede de fiscalização concreta e, portanto, sem força obrigatória geral).

Por tal, o Ministério Público desencadeou o processo destinado a declarar a inconstitucionalidade geral e

abstrata da lei em apreço. O desencadear deste processo de fiscalização é obrigatório por parte do Ministério

Público, sempre que os juízes conselheiros considerem, em três casos concretos, a inconstitucionalidade de

determinada norma ou diploma legal.

Porém, e apesar desta obrigação, importa ter em consideração o defendido num artigo publicado na revista

do Sindicato de Magistrados do Ministério Público, por Ribeiro de Almeida, Procurador do Ministério Público no

Tribunal Constitucional.

Para Ribeiro de Almeida, a questão do princípio constitucional que poderá justificar a criminalização dos

maus tratos não é nem o princípio constitucional da dignidade humana nem da proteção do meio ambiente,

conforme entende alguma doutrina, que igualmente considera a conformidade do diploma com a Lei

Fundamental, mas do artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual Portugal é uma

república «empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária» (destaque nosso).

Para o Procurador «não estão em causa, ao menos imediatamente, os valores constitucionais da dignidade

da pessoa humana e a tarefa estadual da protecção do ambiente, mas um valor socialmente construído,

consubstanciado numa responsabilidade reconhecida pela comunidade dos cidadãos como integrante dos

princípios fundamentais da solidariedade e da justiça perante os animais de companhia».

Acrescentando que tal implica que as leis vigentes acolham «as novas concepções sociais e jurídicas em

matéria de protecção e do bem-estar animal». A possibilidade teórica de alguém que maltrata um animal cumprir

pena de cadeia efetiva – o que ainda nunca aconteceu em Portugal – tem, para o autor, um efeito dissuasor da

prática deste tipo de crime que não é de menosprezar.

No mesmo sentido do que vai exposto, mais de 70 renomados juristas e académicos subscreveram um

manifesto em nome do progresso civilizacional já alcançado pela ordem jurídica portuguesa e, bem assim, da

sua estabilidade e conformidade constitucional, defendendo que o entendimento fundamentado pelos juízes

conselheiros «é excessivamente formalista, tem gerado enorme perplexidade entre juristas e não juristas, para

além de grande alarme social e de calamitosa injustiça em sucessivos casos de maus-tratos que chocaram, e

chocam, o País»4.

Como bem observam os juristas e fazendo uso do defendido por Reis Novais, a Constituição não é um

catálogo de bens jurídicos5 e, bem assim, não se restringe ao elemento literal. Caso contrário, como bem aponta

Rui Pereira6, muitos outros tipos de crime serão inconstitucionais, como o caso dos crimes contra o respeito

devido aos mortos ou dos crimes contra a vida intrauterina, já que o acórdão referido proclama que o princípio

da dignidade da pessoa humana é demasiado abstrato para fundamentar ou restringir direitos subjetivos,

abrindo-se assim um perigosíssimo precedente.

Não podemos deixar de referir que tal «caixa de Pandora» é suscetível de pôr em causa direitos humanos

basilares, mas, no caso concreto, ameaça um regime jurídico já em vigor, e não uma iniciativa legislativa que

nunca tenha tido a sua vigência, no caso, a manutenção da tutela penal de proteção aos animais de companhia

e criminalização dos maus tratos e abandono, o que gera forte incompreensão e indignação social!

Com efeito, também a sociedade civil se manifestou pela defesa da lei que criminaliza os maus tratos a

animais, apresentando, na Assembleia da República, uma petição7 que recolheu a assinatura de mais de 90 mil

subscritores, em menos de 3 meses, para que o valor intrínseco dos animais fosse incluído na Constituição da

3 Cfr. https://www.publico.pt/2018/10/31/local/noticia/condenado-pena-prisao-efectiva-esventrar-cadela-1849483 4 Manifesto – A tutela penal dos animais não é inconstitucional (wordpress.com) 5 Cfr. https://www.publico.pt/2021/11/23/opiniao/opiniao/tribunal-constitucional-regride-40-anos-1985863 6 Cfr. https://www.cmjornal.pt/opiniao/colunistas/rui-pereira/detalhe/20211119-2349-os-animais-na-constituicao 7 Em defesa da lei que criminaliza os maus tratos a animais – Maltratar um animal tem de ser crime em Portugal: Petição Pública (peticaopublica.com)