O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

19 DE OUTUBRO DE 2023

37

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 945/XV/2.ª

ASSUNÇÃO DE PODERES DE REVISÃO CONSTITUCIONAL EXTRAORDINÁRIA PELA ASSEMBLEIA

DA REPÚBLICA PARA ASSEGURAR A CONSAGRAÇÃO DA PROTEÇÃO DOS ANIMAIS NA

CONSTITUIÇÃO

Exposição de motivos

A assunção de poderes de revisão constitucional extraordinária, conforme explicam Gomes Canotilho e Vital

Moreira1, permite que a Assembleia da República, em casos em que tal «se torne imprescindível e inadiável» e

mediante uma maioria especialmente agravada, despolete um processo de revisão constitucional «totalmente

independente das revisões ordinárias», que «não interrompe a contagem do quinquénio iniciado com a revisão

ordinária precedente» e que determina que não comece «a contar-se novo prazo para efeitos de nova revisão

ordinária».

Este instrumento consagrado no artigo 284.º, n.º 2, da Constituição constitui, pois, o meio idóneo para

introduzir, no texto constitucional, alterações com carácter de urgência imperiosa que tornem a revisão

constitucional imprescindível e inadiável, embora possa não cingir-se a esse âmbito material de revisão. Foi isso

mesmo que sucedeu no âmbito da quinta revisão constitucional, ocorrida em 2001, para assegurar a ratificação

do Tratado de Roma que criara o Tribunal Penal Internacional, ou no âmbito da sétima (e última) revisão

constitucional, ocorrida em 2005, que previu a realização de referendo sobre a aprovação de tratado que vise a

construção e o aprofundamento da União Europeia.

Ainda que, de acordo com Jorge Miranda e Rui Medeiros2 e à luz da Constituição, não seja necessário

identificar o âmbito material de revisão constitucional a operar na sequência da assunção de poderes de revisão

constitucional extraordinária, por razões de transparência, o PAN considera que deverá clarificar os termos e os

fundamentos da consagração constitucional que pretende que seja feita com a presente iniciativa,

nomeadamente a consagração da sua proteção dos animais, tal como acontece em países como a Alemanha e

a Suíça, considerando assim o seu valor intrínseco e estatuto próprio, em harmonia até com o Código Civil

português que reconhece que «os animais são seres vivos dotados de sensibilidade» (artigo 201.º-B).

A presente iniciativa propõe assim a assunção de poderes de revisão constitucional extraordinária por parte

da Assembleia da República, com vista à consagração na Constituição da proteção animal.

E fá-lo, desde logo, pelo facto de no início do presente mês se terem completado nove anos desde que a

Lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, entrou em vigor e introduziu no Código Penal os crimes de maus-tratos e de

abandono de animais de companhia. Uma lei que teve origem numa petição de cidadãos que recolheu mais de

40 mil assinaturas, tendo sido aprovada pela quase unanimidade de votos parlamentares, demonstrativo da

importância do tema em questão e do consenso em torno do mesmo.

Com esta lei, Portugal integrou o grupo maioritário de Estados-Membros da União Europeia que criminalizam

os maus tratos contra animais.

Acontece, porém, que este avanço significativo, que mereceu alargado suporte parlamentar e se baseia num

indubitável clamor social, se encontra em sério risco de enfrentar um enorme retrocesso civilizacional e enfrenta

já uma incompreensível inaplicabilidade, como adiante melhor se irá expor.

Tal acontece, precisamente porque, no final de 2021, um acórdão da 3.ª Secção do Tribunal Constitucional,

em sede de fiscalização concreta, julgou, pela primeira vez, inconstitucional a norma que prevê e pune o crime

de maus-tratos a animal de companhia (artigo 387.º do Código Penal). Ora, pese embora, e com o devido

respeito, o PAN não acompanhe tal entendimento, o Tribunal considerou «inevitável concluir pela inexistência

de fundamento constitucional para a criminalização dos maus tratos a animais de companhia, previstos e

punidos no artigo 387.º do Código Penal». Em causa, a decisão sobre o recurso da pena de prisão de 16 meses

de prisão efetiva pela prática de quatro crimes de maus tratos a animais de companhia agravados, e na pena

acessória de privação do direito de detenção de animais de companhia pelo período máximo de 5 anos, aplicada

a um antigo enfermeiro que esventrou a cadela Pantufa, a sangue-frio, deixando-a em grande sofrimento, a

morrer, sem qualquer assistência médico-veterinária e ainda tendo colocado as suas crias no lixo, que acabaram

1 Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2010, páginas 997 e 998. 2 Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo III, Coimbra Editora, dezembro de 2007, página 898.