O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

23 DE OUTUBRO DE 2023

5

um relatório sobre as «Experiências de parto em Portugal» no qual 1468 mulheres (43,5 % da amostra)

afirmam não ter tido o parto que queriam. Estando em causa não a ocorrência de situações inesperadas, mas

a «perda de controlo sobre o processo do parto». Tudo devia começar com a prestação de todas as

informações necessárias a uma decisão sobre o próprio parto, no entanto, 43,3 % declaram que não

receberam «informação sobre algumas das suas opções possíveis no trabalho de parto e parto» e 43,8 % não

foram consultadas sobre as intervenções às quais foram sujeitas. Na segunda edição deste estudo, com

dados relativos a 2015-2019, 68 % das 7555 inquiridas não tinham plano de parto e 14 % não tiveram o seu

plano de parto respeitado.

A aprovação da Lei n.º 110/2019, de 9 de setembro, representou um progresso nesta matéria. A nova lei

operou uma revisão da legislação em matéria de direitos e deveres do utente dos serviços de saúde (Lei n.º

15/2014, de 21 de março), estabelecendo os princípios, direitos e deveres aplicáveis em matéria de proteção

na preconceção, na procriação medicamente assistida, na gravidez, no parto, no nascimento e no puerpério.

No entanto, a lei está longe de se traduzir numa mudança efetiva no combate à violência obstétrica. De tal

modo que, em maio de 2021, uma ampla maioria na Assembleia da República aprovou uma recomendação ao

Governo para a eliminação de práticas de violência obstétrica como a manobra de Kristeller, a episiotomia de

rotina e o estreitamento vaginal no contexto da episiotomia (Resolução da Assembleia da República n.º

181/2021).

Impõe-se uma chamada de atenção particular para a episiotomia (corte no períneo, área muscular entre a

vagina e o ânus, para ampliar o canal), que tem sido desaconselhada pela OMS como prática de rotina. Dados

do Euro-Peristat e do Observatório Português dos Sistemas de Saúde apontam para uma taxa de episiotomia

em Portugal acima dos 70 %. Entretanto, o Consórcio Português de Dados Obstétricos, composto por serviços

de 13 hospitais1, registou uma taxa de episiotomia na ordem dos 25 % em partos vaginais (próxima da

preconizada a nível das recomendações internacionais) e 63 % em partos instrumentados. Sendo de salientar

que faltam dados mais globais e mais completos sobre o parto e o cumprimento dos direitos na gravidez e no

parto.

A necessidade de mudanças mais profundas tem sido reiterada pela sociedade civil. Exemplo disso, além

dos referidos relatórios da APDMGP, foi a realização da «Manifestação contra a violência obstétrica» no início

de novembro de 2021, que juntou mais de 100 mulheres em protesto contra o parecer da Ordem dos Médicos

que nega a existência de violência obstétrica em Portugal. Entretanto, em 2022, o OVO PT, o CORDÃO, a

APDMGP e dezenas de associações feministas e pelos direitos no parto assinalaram o dia 6 de novembro

como o Dia pela Eliminação da Violência Obstétrica, com protestos em Lisboa, Porto, Bragança, Coimbra,

Faro, Leiria, Viseu e Viana do Castelo.

A necessidade de medidas de monitorização e de combate à violência obstétrica é também sublinhada por

várias instituições internacionais. O relatório A/74/137, apresentado à Assembleia das Nações Unidas, de 11

de julho de 2019, recomenda aos Estados a promoção do consentimento informado e prevenção da violência

obstétrica através, entre outras medidas, da monitorização dos serviços de saúde, da recolha e publicação

anual de dados sobre a «percentagem de cesarianas, partos vaginais e episiotomias e outros tratamentos

relacionados ao parto, cuidados obstétricos e serviços de saúde reprodutiva», da aplicação dos «padrões da

OMS relacionadas a cuidados de maternidade respeitosos, cuidados durante o parto e violência contra

mulheres» e do estabelecimento de mecanismos de prestação de contas.

Também a Resolução 2306 (2019), da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, sobre «violência

obstétrica e ginecológica», entre outras medidas, exorta «os ministérios responsáveis pela saúde e igualdade

a recolherem dados sobre os procedimentos médicos durante o parto e os casos de violência ginecológica e

obstétrica, a realizarem estudos sobre esta temática e a publicá-los». A Resolução do Parlamento Europeu

P9_TA(2020)0328, de 26 de novembro de 2020, sobre a situação dos direitos fundamentais na União

Europeia diz, sem margem para dúvidas, que «os casos de violência ginecológica e obstétrica têm sido cada

vez mais denunciados em vários Estados-Membros». E a resolução do Parlamento Europeu

P9_TA(2021)0388, no seu ponto 37 «[re]lembra que as violações dos direitos sexuais e reprodutivos,

1 Serviços de ginecologia e de obstetrícia do Centro Hospitalar Universitário São João, do Hospital da Senhora da Oliveira, do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa , da Unidade Local de Saúde do Alto Minho, da Unidade Local de Saúde de Matosinhos, do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, do Centro Hospitalar do Baixo Vouga, do Centro Hospitalar Póvoa do Varzim/Vila do Conde, do Centro Hospital Vila Nova de Gaia/Espinho, do Centro Hospitalar entre Douro e Vouga, do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, e do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central.