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II SÉRIE-A — NÚMERO 17

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de crianças e a pornografia infantil2, referindo que o abuso sexual e a exploração sexual de crianças constituem

violações graves dos direitos fundamentais, em especial do direito das crianças à proteção e aos cuidados

necessários ao seu bem-estar, tal como estabelecido na Convenção das Nações Unidas de 1989 sobre os

Direitos da Criança e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Esta Diretiva refere, no seu ponto 26, que «a investigação dos crimes e a dedução da acusação em processo

penal deverão ser facilitadas, tendo em conta (…) as dificuldades que as crianças vítimas destes crimes

enfrentam para denunciar os abusos sexuais (…). Para que a investigação e a ação penal relativas aos crimes

referidos na presente diretiva possam ser bem-sucedidas, a sua promoção não deverá depender, em princípio,

de queixa ou acusação feita pela vítima ou pelo seu representante. Os prazos de prescrição da ação penal

deverão ser fixados de acordo com a legislação nacional».

É na sequência da obrigatoriedade acima descrita que o Pessoas-Animais-Natureza trouxe este tema ao

debate no início do ano de 2021, com a apresentação do Projeto de Lei n.º 771/XIV/2.ª, e que, pela sua enorme

importância e na medida em que ainda não se deu cabal cumprimento à pretensão da diretiva, reforçou com a

apresentação do Projeto de Lei n.º 968/XIV/3.ª que se viu aprovado na generalidade.

Contudo, face à dissolução da Assembleia da República ocorrida em dezembro de 2021, foi prejudicado o

processo legislativo em curso, sendo, desta forma, necessário corroborar a iniciativa anteriormente apresentada

de forma que seja, desta feita, possível que corra os seus termos.

O constrangimento causado por este tipo de crimes na vítima, ao qual acresce a especial dificuldade em

integrar o sucedido, o receio de voltar a enfrentar o agressor, a exposição pública da sua intimidade perante as

autoridades públicas e policiais e o receio da revitimização associada a todo o processo levam a que, nestes

casos, a/o ofendida/o acabe por preferir o silêncio e a impunibilidade da/o agressor/a à denúncia do crime e

impulso do processo penal que se mostra muitas vezes moroso e desgastante.

Comprovativo desta realidade são os dados apresentados pela Associação Quebrar o Silêncio que nos refere

que os homens que em crianças ou jovens foram vítimas deste tipo de abuso apenas denunciam o crime e

procuram ajuda, no mínimo, 20 anos após o abuso, encontrando-se a maioria dos homens na casa dos 35-40

anos quando, finalmente, sentem que reúnem as condições para o fazer.

Para além disso, importa ter em conta a recente publicação do relatório da Comissão Independente para o

Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, onde são apresentadas conclusões do trabalho

realizado em 2022, concretamente do estudo dos abusos sexuais de crianças por membros e/ou colaboradores

da Igreja, entre os anos 1950 e 2022, com vista a «um melhor conhecimento do passado e adequada ação

preventiva e de intervenção futura»3. O referido relatório revelou que foram validados 512 testemunhos relativos

a 4815 vítimas, não sendo possível quantificar o número total de vítimas, uma vez que o contacto com a

comissão era voluntário. De entre esses 512 testemunhos validados recebidos ao longo do ano, a Comissão

enviou para o Ministério Público 25 casos que serão alvo de uma investigação judicial.

Na apresentação dos dados sobre os abusos sexuais cometidos na Igreja Católica, a Comissão

Independente revelou alguns depoimentos que chegaram ao organismo sobre os abusos sexuais ocorridos no

seio da Igreja Católica portuguesa, de situações extremamente traumáticas e dolorosas e que, em muitos casos,

ocorreram há décadas e se encontram já prescritos, o que, desde logo, impossibilita condenações e mantém a

impunidade associada a estes crimes.

E esta é uma das primeiras dificuldades identificadas pela Comissão. Os crimes de abuso sexual contra

menor prescrevem ao fim de 15 anos e os crimes de ato sexual com adolescente prescrevem após 10 anos. No

atual quadro legal, muito embora a prescrição nunca ocorra antes de a vítima perfazer 23 anos de idade, estes

crimes estão prescritos, em alguns casos, há décadas.

Por tal, no relatório final, a Comissão exorta o legislador a promover a respetiva alteração legislativa,

recomendando «uma alteração ao artigo 118.º, n.º 5, do Código Penal, aumentando para 30 anos (atualmente

23) a idade do ofendido antes da qual o procedimento criminal não se extingue por efeitos da prescrição. Isto

tendo em conta a idade a partir da qual as pessoas vítimas se dispõem a denunciar os crimes de que foram alvo

e bem assim a necessidade de conceder um mais alargado tempo de maturação sobre as possíveis

2 Directiva 2011/93/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de dezembro de 2011 relativa à luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, e que substitui a Decisão-Quadro 2004/68/JAI do Conselho. 3 Microsoft Word – RELATORIO Final (1)_SUMARIO.docx (rtp.pt)