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II SÉRIE-A — NÚMERO 36

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anos. Desde que esta prática tradicional nefasta foi proibida na Gâmbia, em 2015, apenas dois casos foram

julgados e a primeira condenação por prática só foi feita em agosto de 2023 – e mesmo assim em termos

pouco consistentes com as disposições legais.

Em vez de avançar e aplicar esta importante lei aprovada em 2015 e de se adotarem políticas abrangentes

para capacitar as organizações não governamentais e as meninas e mulheres para exercerem os seus

direitos, no dia 4 de março de 2024, o Deputado Almameh Gibba apresentou na Assembleia Nacional da

Gâmbia um projeto de lei – a Women's (Amendment) Bill 2024 – que pretende revogar as Secções 32A e 32B

do Women’s Act e reverter a proibição da mutilação genital feminina aprovada em 2015. O proponente afirma

querer proteger a «pureza religiosa e salvaguardar normas e valores culturais» e a liberdade de culto e justifica

a sua iniciativa com o facto de esta ser «uma prática profundamente enraizada nas crenças étnicas,

tradicionais, culturais e religiosas da maioria do povo gambiano», particularmente no contexto do Islão. No

passado dia 18 de março, esta iniciativa legislativa foi submetida a votação na Assembleia Nacional da

Gâmbia, que, por maioria, aprovou o envio desta lei para discussão em comissão parlamentar, adiando a

eventual aprovação final no mínimo por 3 meses.

Caso venha a aprovar esta alteração ao Women’s Act, a Gâmbia tornar-se-á no primeiro país do mundo a

reverter a proibição da mutilação genital feminina e dará origem a um retrocesso sem precedentes em matéria

de direitos humanos e dos direitos das mulheres. Para além disso, na opinião do PAN, se se aprovar esta

alteração, a Gâmbia estará a violar diversos instrumentos jurídicos internacionais a que está vinculada e o

princípio da dignidade humana vertido na Constituição deste país. Desde logo, a legalização e despenalização

da mutilação genital feminina viola de forma clara as disposições da Convenção sobre a Eliminação de Todas

as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, da Convenção sobre os Direitos da Criança, da Carta

Africana sobre os Direitos e o Bem-Estar da Criança, do Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e

dos Povos sobre os Direitos das Mulheres em África (Protocolo de Maputo) e da Agenda 2063 da União

Africana, todos ratificados pela Gâmbia, bem como o compromisso assumido por este país na meta 5.3 da

Agenda de Desenvolvimento Sustentável 2030 de eliminar esta prática tradicional até 2030.

A justificação de que esta reversão se deve a razões culturais ou religiosas deve também, na opinião do

PAN, ser liminarmente afastada, não só porque não encontramos qualquer referência à mutilação genital

feminina nos livros sagrados (Bíblia, Tora e Corão), mas principalmente porque várias são as orientações

internacionais que apontam para a ideia de que os direitos humanos não são suspensos em razão de razões

culturais e/ou religiosas. De resto, a ONU, através das entidades de monitorização das suas convenções, tem

enfatizado que as razões culturais e/ou religiosas não podem justificar violações dos direitos das mulheres e

das crianças, nem violações dos tratados e convenções internacionais. O próprio Tribunal Africano dos

Direitos Humanos e dos Povos, do qual a Gâmbia é Estado Parte, decidiu, no âmbito do caso APDF & IHRDA

v Mali, que os Estados africanos não podem usar a cultura e a religião como base para justificar a violação dos

direitos humanos.

Face à dimensão do retrocesso que a eventual aprovação da Women's (Amendment) Bill 2024 traria para

os direitos humanos e das mulheres e ao risco de tais retrocessos se repercutirem noutros países, com a

presente iniciativa, o PAN pretende que a Assembleia da República faça um apelo formal à Assembleia

Nacional da República da Gâmbia para que mantenha em vigor a proibição da mutilação genital feminina

prevista nas Secções 32A e 32B do Women’s Act e respeite o direito internacional e os compromissos políticos

assumidos junto da comunidade internacional, no sentido de garantir a erradicação desta prática tradicional

nefasta.

Nestes termos, a abaixo assinada Deputada do Pessoas-Animais-Natureza, ao abrigo das disposições

constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe que a Assembleia da República adote a seguinte resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República

Portuguesa, apelar a que República da Gâmbia mantenha em vigor a proibição da mutilação genital feminina

prevista nas Secções 32A e 32B do Women’s Act e que assegure o pleno respeito pelo direito internacional e

os compromissos políticos assumidos junto da comunidade internacional no sentido de garantir a progressiva

erradicação desta prática tradicional nefasta.