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22 DE NOVEMBRO DE 2024

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direito penal não pode nem deve ficar alheio.

Na altura da prolação da sentença de primeira instância, que aplicou ao arguido a pena de 16 meses de

prisão efetiva, o juiz a quo declarou o seguinte: «não sou fundamentalista dos animais. Sou fundamentalista

contra a crueldade», acrescentando «este homem tem de estar na cadeia. Se a cadeia não serve para a

crueldade, serve para quê?»3.

Face a mais de cinco decisões sobre a mais recente versão da lei e seis sobre a versão original em sede

de fiscalização concreta, o Ministério Público desencadeou o processo destinado a declarar a

inconstitucionalidade geral e abstrata da lei em apreço.

A 23 de janeiro de 2024, por acórdão aprovado em sessão do plenário do Tribunal Constitucional, foi

decidido não declarar a inconstitucionalidade da norma que prevê a incriminação de maus-tratos de animais

de companhia. O plenário analisou os fundamentos que estiveram na base de diversas decisões anteriores

que julgaram o tipo de crime de maus-tratos de animais de companhia inconstitucional (fiscalização concreta).

«À questão de saber se existe ou não um bem jurídico na Constituição que habilite (ou permita) a incriminação

deste tipo de crime, a maioria dos juízes votou em sentido afirmativo. Assim, afirma-se na decisão tomada pelo

Plenário que a tutela da defesa do bem-estar animal faz parte da Constituição material e integra o conjunto de

valores com reflexo na Lei Fundamental. Quanto à violação do princípio da legalidade criminal, no sentido de

saber se a lei é certa na enunciação dos elementos que descrevem a conduta punida e o respetivo objeto

(animal de companhia, maus-tratos), o Plenário pronunciou-se também pela não inconstitucionalidade,

contando com o voto de qualidade do Presidente do Tribunal Constitucional»4 (sublinhado nosso).

Para Ribeiro de Almeida, Procurador do Ministério Público no Tribunal Constitucional, a questão do

princípio constitucional que poderá justificar a criminalização dos maus-tratos não é nem o princípio

constitucional da dignidade humana, nem da proteção do meio ambiente, conforme entende alguma doutrina,

que igualmente considera a conformidade do diploma com a Lei Fundamental, mas do artigo 1.º da

Constituição da República Portuguesa, segundo a qual Portugal é uma República «empenhada na construção

de uma sociedade livre, justa e solidária».

Para o Procurador «não estão em causa, ao menos imediatamente, os valores constitucionais da dignidade

da pessoa humana e a tarefa estadual da proteção do ambiente, mas um valor socialmente construído,

consubstanciado numa responsabilidade reconhecida pela comunidade dos cidadãos como integrante dos

princípios fundamentais da solidariedade e da justiça perante os animais de companhia».

Acrescentando que tal implica que as leis vigentes acolham «as novas conceções sociais e jurídicas em

matéria de proteção e do bem-estar animal». A possibilidade teórica de alguém que maltrata um animal

cumprir pena de cadeia efetiva – o que ainda nunca aconteceu em Portugal – tem, para o autor, um efeito

dissuasor da prática deste tipo de crime que não é de menosprezar.

No mesmo sentido do que vai exposto, mais de 70 renomados juristas e académicos subscreveram um

manifesto em nome do progresso civilizacional já alcançado pela ordem jurídica portuguesa e, bem assim, da

sua estabilidade e conformidade constitucional5.

Também a sociedade civil se manifestou pela defesa da lei que criminaliza os maus-tratos a animais,

apresentando, na Assembleia da República, uma petição6, que recolheu a assinatura de mais de 90 mil

subscritores, em menos de 3 meses, para que o valor intrínseco dos animais fosse incluído na Constituição da

República Portuguesa, pela manutenção da tutela penal de criminalização dos maus-tratos e abandono de

animais de companhia e ainda e mais recentemente, foi igualmente entregue na Assembleia da República,

uma petição com vista à inclusão expressa dos animais na Constituição que recolheu mais de 30 mil

assinaturas7.

Ainda que o plenário do Tribunal Constitucional tenha decidido pela não inconstitucionalidade da norma

que criminaliza os maus-tratos a animais, mostra-se, ainda assim, clara a necessidade de clarificar o bem

jurídico constitucionalmente protegido, centrado no valor intrínseco do animal, pela inclusão necessária em

sede de revisão constitucional, bem como, por outro lado, a necessidade de clarificar, igualmente, as normas

penais em apreço.

3 Cf. https://www.publico.pt/2018/10/31/local/noticia/condenado-pena-prisao-efectiva-esventrar-cadela-1849483. 4 TC > Comunicados > Arquivo. 5 Manifesto – A tutela penal dos animais não é inconstitucional (Wordpress.com). 6 Em defesa da lei que criminaliza os maus-tratos a animais – Maltratar um animal tem de ser crime em Portugal: Petição pública (peticaopublica.com). 7 Pela inclusão da proteção dos animais na Constituição da República Portuguesa : Petição pública (peticaopublica.com).