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0122 | II Série B - Número 022 | 30 de Novembro de 2002

 

Em virtude dessas características, foram estas as armas de eleição em 46 dos 49 conflitos registados na última década do século XX, e não as armas convencionais como os tanques e os aviões de combate.
A proliferação deste tipo de armamento tem vindo a fomentar um modelo de conflitos, em franco crescimento, em que as partes implicadas são, não exércitos clássicos de um Estado contra outro, ou mesmo de forças governamentais contra forças rebeldes, mas uma multiplicidade de facções instáveis, entre milícias, grupos armados ou auto-denominados rebeldes, muitas das vezes meros bandos de criminosos, envolvidos em campanhas de terror, em que os civis são alvos sistemáticos, as normas internacionais completamente ignoradas, e em que a guerra tem como móbil único a pilhagem, nomeadamente, dos recursos naturais.
A facilidade de manuseamento desse armamento tem permitido a utilização de crianças-soldados nos conflitos, num número estimado de 300 000 (Human Rights Watch e Child Rights Information Network), com sequelas devastadoras, sobretudo para as próprias crianças.
Mas este tipo de armas não se circunscreve a cenários de guerra, encontrando-se também amplamente disperso pela comunidade criminosa, com consequências lamentáveis, em que as forças de segurança se confrontam em manifesta inferioridade de armamento.
A disseminação dessas armas tem-se assim revelado uma ameaça global para a segurança das pessoas e para os direitos humanos, estimando-se que mais de 500 000 pessoas morram por ano em resultado do seu uso, sendo que dos quatro milhões de mortos relacionados com os conflitos registados durante a última década do século XX, 90% ocorreram entre civis (enquanto que, por exemplo, na I Guerra Mundial rondaram os 5%) e, dessas, 80% foram mulheres ou crianças, tendo dezenas de milhões de pessoas perdido os seus modos de vida, lares e família.
Em resultado desta multiplicação de conflitos sustentados em armas pessoais e armas ligeiras, assiste-se a um desmembramento da sociedade civil, à destruição da actividade produtiva e à deslocação de enormes massas de população, muitas das vezes para fora das fronteiras do seu próprio país, para além dos números desmesuráveis de mortos e de estropiados, com prejuízos incalculáveis e irrecuperáveis.
Só na América Latina, o Banco Inter-americano de Desenvolvimento estima os custos directos e indirectos da violência causada pelas armas ligeiras em 140 a 170 mil milhões de dólares por ano.
A questão central que tem sido debatida é a de saber o que constitui uma transferência "ilícita" de armas e outra, a de saber se as transferências "lícitas" (isto é, sancionadas pelos governos) não são elas próprias fontes da proliferação das armas que necessitam de ser cerceadas para permitir algum progresso nesta matéria.
Para muitos dos governos envolvidos no comércio de armamento, a transferência ilícita de armas é definida de uma forma restrita, abrangendo apenas as que ocorram fora do controlo ou contra os desejos dos Estados exportadores.
Ora esta interpretação restritiva retira, por exemplo, a qualificação de "ilícitas" a transferências de armas efectuadas para equipar entidades não-estatais, como movimentos rebeldes, que possam ter um ocasional interesse geo-estratégico, sendo que invariavelmente esse armamento acaba por ser utilizado para fins diferentes ou com objectivos antagónicos aos inicialmente previstos.
Do mesmo modo, a venda de armas a regimes não-democráticos escapa a tal definição e também aqui a capacidade de controlo do material transferido é manifestamente diminuta.
Mas mesmo no âmbito do comércio de armamento legítimo entre Estados para satisfação de justificáveis necessidades de autodefesa se geram situações em que, nomeadamente, a revenda de equipamento excedentário ou obsoleto se realiza mediante o recurso a intermediários sem se conhecer ou controlar o destino final das armas.
Acresce que inúmeros países não possuem legislação nem mecanismos administrativos que lhes permita o controlo do destino final das armas transferidas ou mesmo do trânsito desse material pelo seu território ou ainda da actividade de corretagem de armamento na sua jurisdição, pelo que é diminuto ou inexistente o controlo pelas autoridades dessas acções.

IV - Iniciativas no âmbito da comunidade internacional em geral

A comunidade internacional tem assumido como preocupação principal ao longo dos anos, sobretudo desde a II Guerra Mundial, o controlo das armas de destruição maciça, como os sistemas de destruição nuclear, químico ou biológico.
Na década final do século XX, a comunidade internacional começou a ganhar consciência da importância das armas pessoais e ligeiras nos conflitos em curso e das suas consequências, nomeadamente, em termos de vítimas civis.
Porém, a produção de armas pessoais e ligeiras continua a ser uma actividade muito lucrativa para muitos Estados e indivíduos, com um valor estimado de quatro a cinco mil milhões de dólares, sendo 80% a 90% das transacções efectuadas legalmente, implicando um elevado número de postos de trabalho.
De entre os 13 Estados que dominam o mercado encontram-se os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, a Alemanha, a Holanda, a Itália, o Canadá e a Espanha, o que impõe um tratamento cuidado e empenhado da comunidade internacional na sua resolução.
Conscientes dos interesses em jogo e de que qualquer solução para a proliferação das armas pessoais e ligeiras tem de ter em consideração a enorme variedade de armas e os muitos usos, legítimos e ilegítimos, que lhe são dados, a comunidade internacional percebeu, desde o princípio, que para haver uma solução uniforme e estável tinha de se envolver o maior número possível de Estados e realizar-se em todos os níveis - nacional, regional e mundial - mediante um programa de acção que estabelecesse uma lista de áreas potenciais onde poderiam ser tomadas medidas.
Foi, todavia, através de mecanismos regionais que se iniciaram os primeiros progressos na regulamentação do comércio ilícito e fabrico de armas pessoais e ligeiras, com os Estados a trabalharem conjuntamente com base nas características específicas das suas regiões e em interesses comuns mais facilmente identificáveis.
Em 1997, os Estados-membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) assinaram a Convenção Interamericana contra o Fabrico e o Tráfico Ilícitos de Armas de Fogo, Munições, Explosivos e Outros Materiais Similares, que constitui o único acordo internacional juridicamente vinculativo, estabelecendo medidas comuns, explícitas e jurídicas para controlar o movimento internacional das armas de fogo.