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23 DE DEZEMBRO DE 2023

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Contra o regime democrático espanhol, entre 1936 e 1939, e com a gradual conquista do território por parte

das forças franquistas e dos seus aliados fascistas italianos e alemães, em cada aldeia e cada cidade ocupada

cresceram as denúncias, as perseguições, as torturas e os fuzilamentos sumários de muitos daqueles que

tinham apoiado a República. Na Galiza, nas Astúrias e ao longo da fronteira luso-espanhola surgiram milhares

de refugiados que, fugindo à perseguição e morte, procuravam abrigo e apoio do lado de cá da raia.

Individualmente ou em pequenos grupos, os fuxidos foram sobrevivendo ao longo do tempo em lugares e aldeias

portuguesas, desde Castro Laboreiro até Barrancos.

Esta petição tem como objeto a comunidade-símbolo de Cambedo da Raia, na freguesia de Vilarelho da

Raia, em Chaves, que em dezembro de 1946 foi alvo de uma operação militar brutal e desproporcionada de

caça a fuxidos que lá se encontravam, levada a cabo pelas ditaduras fascistas ibéricas, que envolveu mais de

1000 agentes de ambos os países.

De facto, na madrugada de 20 para 21 de dezembro, forças conjuntas envolvendo a GNR, o Exército, a PIDE

e a Guardia Civil, cercaram e bombardearam Cambedo com morteiros. Ao mesmo tempo, noutras aldeias de

Chaves (Nantes, Castanheira, Sanjurge, Couto), foram presos outros presumidos implicados no apoio aos

guerrilheiros rojos.

A operação militar visava capturar, vivos ou mortos, os guerrilheiros antifranquistas acolhidos pela

comunidade do Cambedo, com quem mantinham laços de parentesco, de amizade e de trabalho. No discurso

oficial das duas ditaduras, a operação prometia acabar com as atividades dos bandoleiros que atormentavam a

região raiana transmontana.

O resultado do cerco a Cambedo da Raia foi trágico: para além da destruição de várias casas da aldeia, um

guerrilheiro desapareceu, outro foi morto, o terceiro suicidou-se e o quarto foi preso; do lado das forças sitiantes,

vítimas da sua própria violência repressiva, dois guardas, um da GNR e outro da Guarda Fiscal, morreram, um

terceiro foi ferido, bem como um agente da PIDE; na comunidade local também houve feridos e, através do

processo da PIDE n.º 917/46, 18 moradores foram presos. Nas aldeias referidas, o mesmo processo ultrapassou

a meia centena de arguidos.

Para Paula Godinho, cientista social que mais profundamente estudou o caso, houve várias mortes, vidas

destroçadas, pequenas economias agrícolas devastadas, num lastro de sofrimento que permanece até hoje.

Além de tudo, a aldeia sofreu o opróbrio que os fascismos ibéricos fizeram cair sobre quem soube acolher os

que fugiam do horror da guerra e os que combatiam o franquismo. (Godinho et alli, 2021).

No blogCidade de Chaves — Cambedo da Raia – dia 1 – A razão de ser, acessível através de

https://chaves.blogs.sapo.pt/231189.html, o autor Fernando Ribeiro põe o dedo na ferida: mexer numa verdade

que se quer esquecida e que, quase sempre, foi mal entendida e interpretada e em que, poucas vezes, se olhou

ao lado humano das gentes do Cambedo, às injustiças cometidas sobre o seu povo, ao castigo, à vergonha que

durante anos foram obrigados a passar e ainda hoje por lá se sente, agora com um pouco de orgulho (por parte

de alguns, poucos), mas ainda muita revolta, desconfianças e até medos de arcar com as responsabilidades

dos acontecimentos do Cambedo e a morte da guerrilha antifranquista em terras de Portugal.

Em 1996, por iniciativa de Carlos Silva (Centro Cultural de Vilarelho da Raia) e de Martinez-Risco Daviña

(Santiago de Compostela) foi colocada uma lápide evocativa no local onde a raia dividia a aldeia (a capela).

Em 2004, António Loja Neves e José Alves Pereira, realizadores, apresentaram em Ourense a primeira

versão desse eloquente filme testemunhal intitulado significativamente O Silêncio.

Por isso, esta petição tem como objetivo contribuir para o resgate da memória daqueles que, direta e

indiretamente, sofreram a vergonha dos acontecimentos de 1946 e foram vítimas das narrativas, mentirosas e

de ocultação da verdade, construídas pelas ditaduras peninsulares. Pretende-se lutar pelo direito à verdade, à

memória e ao ressarcimento ético da pequena comunidade que, corajosamente, atuou contra as ordens de

Salazar.

Para que tal resgate aconteça, importa hoje afirmar a responsabilidade que o Estado democrático português

deve assumir não só no reconhecimento da longa opressão imposta pelo silêncio, isolamento e desconfiança

sofridos pela comunidade raiana de Cambedo, mas também das dívidas morais, éticas e de cidadania de que

aquela comunidade é credora.

Nesta conformidade, no contexto geral da comemoração dos 50 anos da Revolução de Abril, os cidadãos

peticionários apelam ao Presidente da Assembleia da República no sentido de que este órgão de soberania: