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II SÉRIE-C — NÚMERO 12

1 — Por isso, em 11 de Fevereiro de 1994, dirigi ao Ministro da Saúde a recomendação n.° 42/94, de que junto um exemplar (anexo n.° l).

Ali se conclui:

De acordo com o que ficou exposto e em nome da atribuição constitucional que lhe é conferida de conduzir à prevenção e reparação de injustiças (artigo 23.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa), entende o provedor de Justiça fazer uso dos poderes que lhe são confiados pelo seu Estatuto. (Lei n.° 9/91, de 9 de Abril), no artigo 20.°, n.° 1, alíneas a) e b), e, como tal, recomendar:

1 — Independentemente do apuramento da responsabilidade de cada titular de órgãos, funcionário ou agente, autores de actos ou omissões ilícitos e culposos,

. a assunção formal pelo Estado da sua responsabilidade civil solidária pelas lesões e mortes dos IRC assistidos na unidade de hemodiálise do Hospital Distrital de Évora,

2 — A criação célere de um instrumento legal que possibilite aos hemodialisados assistidos no Hospital Distrital de Évora, sobrevivos mas afectados, e aos familiares dos já falecidos o ressarcimento adequado (por exemplo, através da constituição de uma comissão perante a qual seriam apresentados os pedidos de indemnização).

3 — No caso de não aceitação pelos interessados da indemnização proposta pela comissão, e após mediação, eventualmente, do Provedor de Justiça, constituição de um tribunal arbitral com pressupostos a definir por convenção de arbitragem a negociar pelas partes e não imposta pelo Estado.

4 — No respeito dos valores de solidariedade social e da dignidade humana, a criação imediata de um fundo destinado a:

4.1 —Indemnizar provisoriamente os doentes afectados clinicamente e os familiares dos já falecidos, uns e outros na sequência dos acontecimentos verificados no Hospital Distrital de Évora, enquanto não estiver em funcionamento a comissão atrás proposta;

4.2 — Prestar assistência social (financeira, clínica e outra que se mostre necessária e adequada) aos doentes sobrevivos e aos agregados familiares dos já falecidos.

5 — A determinação da realização de novos inquéritos visando o apuramento de outros actos e omissões com incidência,disciplinar, para além dos já apurados, no âmbito dos órgãos, funcionários e agentes dos serviços integrantes ou dependentes dos Ministérios da Saúde e do Ambiente e Recursos Naturais.

Estes inquéritos devem ter lugar independentemente do conhecimento dos relatórios das autópsias dos IRC já falecidos e quaisquer que sejam as suas conclusões.

Admito a existência de outros actos e omissões insuficientemente apurados no inquérito realizado pela Inspecção-Geral de Saúde, por não aprofundamento da instrução ou porque parte dos factos estão fora de jurisdição do Ministério da Saúde.

3 — Em 17 de Maio de 1994 dirigi-me novamente ao Ministro da Saúde pelo ofício n.° 7491 (anexo n.° 2), insistindo por informação sobre a posição assumida face ao que lhe fora recomendado.

4 — O Ministro da Saúde respondeu em 31 de Maio de 1994, pelo ofício n.° 4013 (anexo n.° 3) e, em síntese, remeteu para os tribunais a decisão sobre o ressarcimento

dos danos causados no Hospital Distrital de Évora aos IRC, escusando-se a diligenciar a adopção de medidas imediatas de apoio social e financeiro.

5 — Por considerar insuficientemente fundamentada a resposta recebida, remeti ao Ministro da Saúde em 17 de Agosto de 1994 o ofício n.° 12 342 (anexo n.° 4), em que apelei ao seu sentido ético e de justiça e ao respeito pelos doentes sobrevivos e pelos familiares dos já falecidos em consequência da intoxição alumínica.

6 —O ofício n.° 7829, de 3 de Novembro de 1994 (anexo n.° 5), subscrito pelo Ministro da Saúde, continua a enjeitar a responsabilidade civil do Estado, insistindo na exigência do prévio apuramento judicial do nexo de causalidade entre, por um lado, as omissões e negligência do Estado e seus agentes e, por outro, as mortes e o agravamento das condições clínicas dos hemodialisados do Hospital Distrital de Évora.

7 — O Ministro da Saúde, na resposta referida no número anterior, usa argumentos improcedentes e em parte repetitivos do que já afirmara em 31 de Maio de 1994 (anexo n.° 3).

7.1 —Não vem cabalmente demonstrado que, dando eco ao rumor público no inquérito realizado, tenham sido perseguidos factos indiciadores do desrespeito por omissão, por parte do conselho de administração (CA) do Hospital, do seu dever de zelo traduzido no cumprimento dos princípios enunciados no artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 19/88, de 21 de Janeiro, e nos artigos 4.°, 8.°, )0.°, 13." e 15.° do Decreto Regulamentar n.° 3/88, de 22 de Janeiro.

O dever de zelo expresso e particularizado nos normativos citados impõe ao CA a tomada de iniciativas e nãoa mera reacção a estímulos provindos dos agentes ou serviços dele dependentes.

7.2 — A exigência de um nexo de causalidade cujo estabelecimento constitui o melhor argumento que o Ministro da Saúde encontra para esgrimir contra o que lhe foi recomendado e adiar a assunção da responsabilidade do Estado, tratando-se de «prejuízos especiais e anormais resultantes do funcionamento de serviços administrativos excepcionalmente perigosos» é deslocada (cf. artigo 8.° do Decreto-Leí n.° 48 051, de 21 de Novembro de 1967, que considera a responsabilidade civil, nestes casos, fundada no risco. É por isso tanto maior quanto mais displicente tiver sido a prevenção dos perigos inerentes).

Complementarmente à dispensa do elemento subjectivo de culpa ou negligência no reconhecimento da responsabilidade do Estado, vem a doutrina portuguesa defendendo o princípio de faute du service e da vulnerabilização ou mesmo da inversão do ónus da prova do nexo de causalidade (v. Sinde Monteiro, in Direito da Saúde e Bioética, 1991, p. 147).

Ao reflectir sobre esta questão, não pode também deixar de atentar-se no facto de que os acontecimentos ocorridos em Évora são únicos e não só em Portugal. E se o estado das artes explicasse o sucedido, dado o impacte que o caso de Évora teve nos órgãos de comunicação social e na população em geral, depressa seriam inventariados e tornados públicos outros casos idênticos. Ora tal não se verificou.

8 — Assim, dirijo-me a V. Ex.a na expectativa de que, usando a influência e os meios que a Constituição e as leis lhe outorgaram, o justo ressarcimento e o apoio social aos doentes cuja situação se agravou e das famílias dos que faleceram abruptamente, e num curto período de tempo após tratamento prolongado na unidade de hemodiálise do Hospital Distrital de Évora, sejam em breve uma realidade.