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II SÉRIE-C — NÚMERO 15

exercerem o mandato de Deputado à Assembleia da República», configurando-se assim uma incompatibilidade entre ainbas as funções.

O legislador cometeria, pois, uma redundância se no artigo 21." quisesse referir-se precisamente à mesma situação que já estava há muito prevista no artigo 20.°

Não é admissível este juízo: o legislador quis obviamente referir-se a uma outra situação, diferente daquela que na mesma lei afinal já estava prevista.

Nesta perspectiva, só pode, pois, justificar-se a «novidade» introduzida na lei se entendermos que o legislador pretendeu alargar o âmbito das incompatibilidades.

Aliás, foi precisamente esse o sentido dominante e determinante de toda a recente legislação sobre a «transparência» da vida política e dos políticos, como é sabido e notório.

Assim sendo, quando no artigo 21.°, n.°2, alínea a), do Estatuto dos Deputados se mencionam as sociedades de capitais maioritariamente públicos, terá, portanto, de considerar-se que, em primeiro lugar, se está a invocar a natureza desses próprios capitais, a sua origem ou a sua propriedade, e que, em segundo lugar, não se está a fazer distinção alguma entre as participações directas e indirectas do Estado no capital das empresas — umas e outras estão, pois, englobadas na expressão usada na lei e cabem indiscutivelmente no seu teor literal.

Aliás, é também sabido que, onde o legislador não distingue, não pode o intérprete distinguir.

E, no caso em apreço, esta globalização é até mais evidente se considerarmos (como temos de considerar, à luz do princípio da unidade do sistema jurídico) que no citado artigo 20." o legislador, pretendendo distinguir, usou uma expressão legal suficientemente distintiva.

Se não procedeu de igual modo no artigo 21.° foi certamente porque não quis distinguir.

De resto, ainda muito recentemente (em 28 de Fevereiro de 1996) esta Assembleia da República, ao aprovar uma nova lei relativa ao âmbito da fiscalização financeira do Tribunal de Contas (proposta de lei n.° 4/VU), determinou que ficam sujeitas à fiscalização sucessiva desse Tribunal as sociedades em que a parte pública detenha a maioria do capital social, mas apenas nos casos em que essa detenção for «de forma directa».

Também por aqui se prova, pois, que o legislador, quando pretende distinguir, o faz expressamente. Logo, quando omite qualquer distinção, é porque naturalmente não quer fazê-la.

V°m — As razões éticas da incompatibilidade em causa

Mas haverá razões éticas para que o legislador tivesse querido levar tão longe as incompatibilidades que recentemente decretou, de modo a abranger nelas também os titulares de órgãos de sociedades em que o Estado só por via indirecta detenha participação social maioritária ou, no mínimo, em que a maioria do respectivo capital social só indirectamente é público?

Não esqueçamos, a este propósito, duas circunstâncias relevantes:

A primeira é a de que o espírito do legislador foi mesmo o de alargar substancialmente o elenco das incompatibilidades;

A segunda é a de que em muitos casos acolheu até o disposto em legislação estrangeira sobre a matéria, ' nomeadamente o regime em vigor em Espanha.

Ora, nesse país, a lei eleitoral aprovada pela Lei Orgânica n.°5/85, de 19 de Junho, revista em 2 de Novembro de 1992, considera expressamente incompatível com o exercício do mandato de Deputado ou de Senador a acumulação com qualquer cargo em empresa com participação pública maioritária, directa ou indirecta.

0 legislador português não mencionou expressamente esta dupla e alternativa forma de participação, mas também não era preciso, pelos motivos atrás expostos.

De qualquer modo, o legislador português terá pensado que as possibilidades reais (que não propriamente legais) de que o Governo (ou o Estado em geral) dispõe para determinar as opções fundamentais dos accionistas maioritários, que a ele estão ligados directamente, nas empresas em que nessas condições tenham participação social, seriam porventura susceptíveis de pôr em risco a isenção e a independência no exercício do mandato de Deputado por todos quantos exercerem simultaneamente e em acumulação o cargo' de membro de órgão social dessas empresas, máxime o cargo de seu presidente.

No caso da SOPORCEL, mesmo dando por adquirido que o Governo não tem poderes legais para interferir na sua gestão e que se abstém até de dar qualquer indicação quanto à nomeação do presidente do respectivo conselho de administração, deixando-a ao livre arbítrio do conselho de administração da Caixa Geral de Depósitos, não devemos, todavia, abstrair do facto de que, exercendo, se quiser, os poderes de que dispõe quanto a esta instituição financeira, que tutela directamente e pertence ao Estado, o Governo, na realidade, terá sempre a possibilidade de impor as suas opções, quer quanto à nomeação do presidente do respectivo conselho de administração quer até quanto à actuação da Caixa Geral de Depósitos no exercício da posição maioritária que esta tem na SOPORCEL.

E não esqueçamos que, em última instância, o presidente do conselho de administração da SOPORCEL será sempre uma pessoa indicada pela Caixa Geral de Depósitos — ou, pelo menos, não poderá ser nunca uma pessoa com a qual esta não concorde.

Logo, se o Governo disser, informal e não legalmente, ao conselho de administração da Caixa Geral de Depósitos, por si nomeado, que pretende escolher a pessoa que há-de presidir à

SOPORCEL ou que pretende que ao presidente desta não seja renovado o seu mandato, será que os membros daquele conselho se atreverão a transgredir essa indicação?

Se o fizessem, eram os seus próprios lugares que ficariam em risco.

Ora, entre nós, sendo a isenção e a independência dos Deputados, enquanto no exercício das suas funções (incluindo a fiscalização da actividade governativa), um interesse com protecção constitucional (artigo 50.°, n.° 3, da Constituição), que se efectiva designadamente através de um regime legal de incompatibilidades, não parece, pois, que seja possível interpretar restritivamente a expressão legal «sociedades de capitais maioritariamente públicos», de modo a excluir as de participação indirecta, que aquela expressão literal legal e realmente abrange.

Se fosse essa a orientação a seguir, não só se poria seriamente em risco aquela protecção como ficaria por explicar por que é que o legislador não se contentou com o que já estava estatuído no artigo 20.° do Estatuto dos Deputados.

IX — Conclusão

1 — Pelo exposto, concluímos que o exercício do cargo de presidente do conselho de administração da SOPORCEL,