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20 DE JULHO DE 1996

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os demais direitos fundamentais que possuam natureza análoga a estes, quer estejam fora quer dentro da Constituição formal), porque não possibilitar a intervenção do Provedor, mediador por excelência, em zonas de conflito? O' tabu das relações entre particulares, já desaparecido no que toca às questões onde se verifiquem omissões de entidades públicas, deve ser eliminado, de modo mais evidente quando nessas relações um dos particulares surja numa posição de predomínio, v. g. social ou económico.

É o caso das relações laborais, tão intricadas com o tema dos Direitos dos Trabalhadores que aqui nos traz hoje. Se não compete ao Provedor de Justiça substituir-se aos Tribunais, porque não encarar a possibilidade da sua mediação em situações de desentendimento? Se se pode desbloquear um impasse através de um simples contacto, de um mero quebrar dfe equívocos, porque não aproveitar uma potencialidade fornecida por este recurso?

Nem se diga estarmos perante uma originalidade no sistema português: a Lei das Cláusulas Gerais desde 1985 permite uma intervenção no âmbito do Direito do Consumo, em situações que nem sempre contarão Como intervenientes entidades públicas, mesmo num latíssimo sensu. Porque não permitir uma intervenção semelhante ou análoga no Direito do Trabalho?

Na frase de Bruno Kreisky, que não perco a ocasião de citar, o Ombudsman é o único órgão estadual que pode, sem risco para a liberdade ou a democracia, exceder as competências que lhe estão cometidas.

Quer em situações entre entidades públicas e privadas, quer entre privados, a função do Provedor é, meramente, a de apontar soluções, sem as impor. A Recomendação, instrumento por excelência de actuação, é precisamente isso mesmo, não vinculando o seu destinatário senão a justificar cabalmente por que razão entende diversamente (isto, é claro, se não preferir o caminho sempre desejável do acatamento das Recomendações). Mesmo em condições extremas, como a de formulação do pedido de fiscalização da constitucionalidade de normas jurídicas, é a um outro Órgão (e de Soberania) que compete a decisão: o Tribunal Constitucional.

Este típico efeito meramente persuasório e a garantia que, instrumentalmente, todas as averiguações são conduzidas com integra] respeito pelos direitos, liberdades e garantias, bem como com absoluta reserva do sigilo protegido por Lei, levam-me a concluir pela inocuidade do exercício do «excesso de poder» por parte do Ombudsman. Em termos de economicidade da actuação, os custos seriam nulos para um benefício só limitado pela vontade humana.

Como tive ocasião há dias de recordar, quanto maior e melhor for a intervenção do Provedor, mais se robustecerá o tecido social. E, concomitantemente, mais forte ficará a nossa Democracia, pelo maior e melhor consenso gerado em torno das Instituições livremente escolhidas pelos cidadãos.

Para citar o meu ilustre antecessor, percursor do Ombudsman em Portugal ainda antes da Revolução de Abril, pretende-se que o Provedor de Justiça seja «o povo que fala»; sem se tratar de um mero núncio das reclamações que lhe chegam, o Provedor de Justiça, pela desburocratização e informalidade do procedimento, e pela maior proximidade com o cidadão, tentará sempre sèr a voz do povo junto do poder e a voz do poder junto do povo, explicando e familiarizando o cidadão com regras de conduta que, por tecnicamente elaboradas e complexas, são por ele tidas como estranhas ao corpo social.

Foi esse o compromisso que assumi há quase dois anos, ao aceitar a minha eleição pela Assembleia da República, é esse o compromisso que norteará a minha actuação no que sobra do meu mandato.

Quero terminar esta minha breve intervenção com palavras de esperança, confiança e empenhamento: esperança numa melhor adequação da compreensão do sistema actual de direitos fundamentais, confiança no funcionamento das instituições democraticamente legitimadas e empenho em bem desempenhar a porção que aqui cabe ao órgão do Estado que tenho a ventura de actualmente ser titular.

Que neste ano de 1994, bem como nos vindouros a bordejar o século XXI, a sociedade portuguesa possa evoluir em termos de maior e melhor consagração e efectivação dos Direitos Fundamentais, em particular mas não só, daqueles que pertencem à Pessoa humana enquanto trabalhadora.

Intervenção do Provedor de Justiça no 3.« Painel «O Estado e os Cidadãos: Quem está ao serviço de Quem?»

Seminário «Modernização do Estado — a (des) Esperança dos Cidadãos»

(Auditório do Quelhas em 18 de Março de 1994)

Solicitaram ao Provedor de Justiça, órgão que actualmente tenho a honra de encarnar, que desse o seu contributo nesta Conferência dedicada à problemática das relações entre o Estado e o Cidadão.

Integrado no questionar da necessidade de modernização da instituição estadual, elemento preponderante nos últimos séculos entre as formas políticas adoptadas pela Humanidade, o tema que aqui nos reuniu, particularmente neste terceiro painel, prende-se com o objectivo de toda a organização política.

Aparentemente a indagação que dá título a este painel é de fácil e óbvia resposta. Politicamente correcto é o afirmar, desde logo, que o Estado só existe para servir o cidadão, e não vice-versa.

E não será descabido fazer-me eco do lugar comum segundo o qual os interesses privados são reflexamente protegidos pela prossecução do interesse público, bem como esta passa também pela protecção aos interesses particulares. Tudo para se concluir que o Estado ao serviço dos cidadãos não é uma problematização homóloga da oposição entre interesses públicos e privados.

A realidade dos nossos dias, bem como uma análise que prescinda da superficialidade das aparências, não pode contentar-se com estas evidências que, as mais das vezes, carecem de aprofundamento e destrinça.

Em primeiro lugar, há que dizer que o Estado não é imprescindível. Não é verdade revelada a necessidade do Estado e a simples observação histórica demonstra que este é apenas a forma mais elaborada que as diversas comunidades encontraram de se organizar politicamente. Não está provado que tenhamos alcançado a forma perfeita e acabada da Polis, sendo, aliás, a história do Estado, em particular nos últimos duzentos anos, a melhor demonstração do contrário. Com abertura a novas formulações que não hão-de deixar de surgir por quaisquer voluntarismos espúrios, assente-se que o poder político nasce sempre como resposta aos anseios dos seus cidadãos, imbuída dos mecanismos de exercício estratégico de autoridade que melhor se coadunem com essas necessidades.