O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

174-(266)

II SÉRIE-C — NÚMERO 23

de facto, de entre os vários deveres do juiz, conjugado com a deficiente regulamentação legislativa, a quase completa inobservância por parte da maioria dos juízes do nosso sistema de oralidade pura, introduzido entre nós pelo Decreto n.° 21 694, de 29 de Setembro de 1932, constitui uma das causas fundamentais da crise judiciária no nosso país, concluindo o Prof. Pessoa Vaz, que a nossa algo famosa legislação processual estava, em vários pontos fundamentais, em aberto contraste, com as mais importantes'legislações processuais e projectos legislativos de pendor oralista, em que directa ou indirectamente se inspirou o nosso movimento de reformas legislativas de 1926 a 1939 (1S).

Em Itália, em 1926, Camelutti, embora sem aludir expressamente à gravação, falava no artigo 119, II, do seu famoso Projecto na «anexação às actas das transcrições de estenogramas» e em geral «de tudo quanto sirva para integrar ou precisar os factos descritos nas actas», mas já antes algumas legislações consagravam expressamente a documentação da prova (16) e actualmente a linha da tendência é altamente significativa na imposição do registo da prova.

Em Portugal, foi a voz do Prof. Pessoa Vaz que, desde 1956, data em que apresentou um Relatório ao então Ministro da Justiça, e'até aos nossos dias, a principal referência no combate à falta de garantias judiciárias da nossa legislação processual, nomeadamente à ausência quase total do registo da prova oral. E em 1976, na sua dissertação sobre os Poderes e deveres do juiz na conciliação judicial, sintetiza as importantes vantagens do registo da prova (17). Por um lado, a importância do registo para efeitos da documentação da prova, de igual modo idêntica importância para efeitos de recurso e de motivação das decisões de facto. Mas as vantagens do registo da prova não ficam por aqui. Pode primeiramente contribuir para a depuração e a moralização da prova testemunhal, do depoimento de partes e até das declarações dos peritos, dando-lhes a consciência de que a veracidade das suas afirmações, ficando estas gravadas, podem ser apreciadas em momento ulterior, com base em outras provas, e em novas declarações contraditórias com as prestadas no tribunal.

Pode constituir um precioso elemento de apreciação, valoração e selecção da actividade dos juízes por parte dos inspectores judiciais.

Pode constituir, por último, um valioso instrumento pedagógico para o aperfeiçoamento e valorização da carreira judiciária e forense.

Tão importante é a documentação da prova no pensamento processual moderno, sobretudo para fins de motivação, que alguns autores'e legislações preconizam e preceituam abertamente que mesmo nos casos de processos não sujeitos ao recurso de apelação, continua a ter lugar a referida documentação. Referencie-se ainda que, nas palavras de Chiovenda, o recurso de apelação com documentação da prova e eventual renovação probatória em segunda instância é da própria essência do processo oral e imediato que caracteriza os sistemas processuais modernos.

O Prof. Pessoa Vaz, em estudo intitulado Da crise da justiça em Portugal. Os grandes paradoxos da Política Judiciária nos últimos cinquenta anos, dá-nos conta de um magistrado português que sugeriu em 1934 o uso do «registo mecânico» da prova e até da «filmagem sonora»

(is) Ibidem, pág. 89.

('*) Ibidem, págs. 99 e 100, onde nos é dada uma lista de legislação onde está consagrado o registo da prova (17) Ibidem, pág. 105.

das audiências. Ou seja, dez anos antes da gravação de som ser adoptada na Africa do Sul, catorze anos antes da Suécia e quarenta e dois anos antes da França, que só veio a adoptar a gravação de som e até o video-tape no Código de 1976 (artigo 174.°) ('«).

Nomeadamente na Alemanha, a jurisprudência do respectivo Tribunal Constitucional tem considerado de natureza constitucional a obrigatoriedade da documentação de toda a prova, sendo assim o dever de documentação da prova considerado como autêntico Direito Constitucional Aplicado. I

Que o combate empreendido por variados sectores ligados à Justiça contra a ausência da documentação da prova

tem vindo a alastrar, é prova evidente o proposto na actual reforma do Código de Processo Civil. Não será talvez a reformulação global do nosso sistema de oralidade, preconizado por vozes autorizadas como as de Pessoa Vaz, Figueiredo Dias e Rodrigues Bastos.

Mas, face aos artigos 442.°, 443.° e 511.° do Anteprojecto do Código do Processo Civil (>9), existe uma certa abertura para o registo da prova e o alargamento do controlo do duplo grau de jurisdição em matéria de facto.

No despacho n.° 12/92, de 27 de Janeiro de 1992, o Sr. Ministro da Justiça aponta como uma das linhas mestras para o novo Código do Processo Civil, «A maior intervenção das partes em matéria de comunicação dos actos e recolha de prova». Dos trabalhos resultou um documento intitulado, «Linhas orientadoras da nova legislação processual civil» que, no seu capítulo terceiro, estabelece que deve ser assegurado um efectivo segundo grau de jurisdição na apreciação das questões de facto, em articulação com o princípio do registo das audiências e da prova nelas produzida.

Fica assim assegurado — com o registo da prova — o recurso e a reapreciação da matéria de facto pela Relação (20). Estranha-se contudo a fraca referência que o assunto mereceu à Comissão de Cegislação da Ordem dos Advogados, quer sobre o Anteprojecto, (2I) quer sobre o Projecto (22) do Código de Processo Civil.

Não nos parece ser este o momento indicado para analisar com um certo grau de pormenor todas as modalidades técnicas possíveis de registo da prova. Cumpre no entanto apontar para os trabalhos preparatórios de revisão do Código de Processo Civil, nomeadamente as actas n.os 72 a 74 onde se dá conta dos diversos projectos apresentados no que à matéria do registo da prova diz respeito (23). Nomeadamente os projectos dos Conselheiros Campos Costa e Rodrigues Bastos, do desembargador Cardona Ferreira e do Dr. Carlos Mourisca. De todos estes projectos e dos debates que se lhes seguiram retira-se uma variedade possível de meios para o registo da prova, ou a redução a escrito de todos os depoimentos, ou a gravação dos mesmos, ou um resumo do depoimento ditado pelo juiz, que só é passado a escrito se houver recurso. Sistematicamente há que optar entre consagrar a matéria no próprio código, ou estabelecer o regime do registo da prova em diploma avulso.

Que a matéria não é pacífica é fácil de demonstrar, acrescendo a isto a complexidade da concatenação de

(*8) In ROA., 1986. 111, pág. 655.

(") Edição de 1988 do Ministério da Justiça.

(20) Consultar quer o despacho, quer o texto no suplemento ao Boletim da Ordem dos Advogados. n.° 2/93.

(21) In ROA, 1989-11. pág. 630-631. (2) In ROA.. 1990-111, pág. 729 e segs.

(*>) In B.MJ.. n.°394 (1990) e n" 39S (1990).