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II SÉRIE-C — NÚMERO 23
Refiro-me à circunstância de funcionarem como juizes e acusadores públicos cidadãos que exercem funções activas na Administração militar, com todo o respeito que tenho pelas pessoas em causa.
Por último e num ponto em que julgo estar em desacordo com o Autor, defendo a existência do Tribunal Constitucional como órgão com existência autónoma das várias ordens de jurisdição.
Tem-se polemizado bastante sobre a autoridade do Tribunal Constitucional ao assumir uma decisão jurisdicional, assente em critérios jurídicos «puros». Para além da improbabilidade de tal posição em termos genéricos, menor será a sua bondade numa área onde o jurídico se cruza com o político, como é a aplicação da Constituição.
Será decerto, impraticável defender a possibilidade de, em matérias que dizem respeito directamente à organização primária da comunidade, extrair critérios de decisão politicamente neutros, em termos valorativos. Muito pelo contrário, a força normativa da Constituição só ganhará se o seu órgão máximo de garantia contiver em si várias mundi-vências, possibilitadoras de, em conjunto, se arvorarem em representativas do sentimento democrático da comunidade política.
Pode-se discutir o actual sistema de designação dos juízes do "Tribunal Constitucional; pode-se traçar um quadro mais favorável no que toca às garantias de independência dos mesmos. Não parece viável nem procedente atacar-se o actual sistema «político», tentando substituí-lo por um sistema «jurídico» assente no Supremo Tribunal de Justiça. Em última análise estaríamos a substituir os critérios jurídico-políticos de alguns cidadãos pelos critérios de outros, com a agravante de nada garantir que estes últimos fossem mais conformes às concepções reinantes na Sociedade.
Com, aliás, se fez notar num recente colóquio comemorativo do 10." aniversário do nosso Tribunal Constitucional, os casos de Direito Comparado em que o órgão de cúpula da organização judicial é também o órgão máximo da justiça constitucional apontam para sistemas de designação próximos do português, sendo arredada qualquer ideia de carreira.
E, atentas as várias vertentes da questão, é a função de pacificação do todo social, tão própria aos tribunais, que exige a existência de um órgão jurisdicional especializado na aplicação da Constituição, com métodos de designação dos seus titulares que reflictam uma legitimidade democrática bastante próxima.
Não será despiciendo considerar nesta sede a influência que os meios de resolução de conflitos não contenciosos e não jurisdicionais têm num correcto uso dos Tribunais e numa exacta percepção da sua função.
Em primeiro lugar cite-se o grande contributo que pode dar, principalmente mas não só na área das relações dos particulares com a Administração, a existência de um corpo jurídico aperfeiçoado no campo do procedimento administrativo. Entendido este como processo de formação de decisão, uma boa actuação procedimental evita a formação ou perpetuação de conflitos, com a consequente menor solicitação aos tribunais, factor maximizador dos recursos existentes.
Esta influência pode reflectir-se no campo das relações entre os particulares. A minha experiência pessoal diz-me que, numa sociedade onde o Estado 6 omnipotente, a sua intervenção positiva acarreta, por reflexo, uma melhor definição das posições jurídicas dos particulares com a consequente diminuição da probabilidade de erupção de conflitos.
O recurso a soluções arbitrais, por vezes mais próximas da situação concreta, pode também contribuir para uma maior eficácia do Tribunal, reservando-o para a resolução de conflitos de magnitude e dignidade de um nível apropriado.
Last but not least, mal se perceberia que não aproveitasse a ocasião para marcar no leitor benévolo a bondade da instituição que ora corporizo, num sentido duplo de cooperação com os Tribunais.
Ao contrário de outras experiências europeias, o âmbito de intervenção do Ombudsman português não inclui a função jurisdicional do Estado, posicionando qualitativamente de forma diversa a actividade dos Tribunais e dos demais órgãos públicos.
Não se discutirá, nestas breves linhas, a bondade desta opção. Apenas direi que, face ao teor do artigo 20.°, n.° 1, alínea b), do actual Estatuto do Provedor de Justiça (Lei n.° 9/99, de 9 de Abril), o critério determinante da mesma não será decerto o do carácter de órgãos de soberania ou não dos órgãos sujeitos à intervenção do Provedor de Justiça. Se assim fosse não se compreenderia o poder de apreciar o exercício da função legislativa, emitindo as Recomendações que no caso cabiam. Trata-se, pois, de questão que poderá ser sempre reequacionada em futura revisão do Estatuto do Provedor de Justiça (já que parece desnecessária qualquer intervenção no normativo constitucional) , cabendo ao legislador um juízo de oportunidade e bondade políticas face ao sentimento predominante.
Trata-se, pois, de uma intervenção com carácter algo paliativo, com função meramente processual, sem deixar de, instrumentalmente, prosseguir materialidades subjacentes tão importantes como a própria ideia de Justiça, indesligável que é dos seus atributos da celeridade e oportunidade.
Outra vertente primária da actuação do Provedor de Justiça no sistema judicial processa-se a montante, isto é, na prevenção activa quer da conflituaüdade própria de um processo forense quer do estrangulamento causado aos nossos Tribunais pelo recurso indiscriminado e frequente à sua tutela.
Ao explicar ao cidadão as razões pelas quais não se vê fundamento na sua pretensão, tanto em termos de jure condito como de jure condendo, o Provedor de Justiça está a dissipar as contraposições aparentes de posição.
Ao conseguir a compreensão da administração para o caso concreto de um reclamante, o Provedor de Justiça está a resolver, de imediato, um caso que se poderia arrastar por anos num Tribunal, a braços com processos, quem sabe, de mais importância.
Ao conseguir uma alteração legislativa ou regulamentar, o Provedor de Justiça está a resolver uma infinidade de hipotéticas situações que poderiam vir a originar processos judiciais.
E, de todas estas maneiras, o Provedor de Justiça está, no seu modo específico de actuação, a contribuir para o bom exercício pelos Tribunais das funções qu.e constitucionalmente lhe estão cometidas.
Espero ter exprimido com a clareza suficiente o meu pensamento sobre estas matérias, formulando votos no sentido de que esta Obra contribua para estimular o debate, tão necessário e imprescindível em Democracia, de forma a fortalecer, cada vez mais, o sentimento de legitimidade dos órgãos judiciais.
É no aprofundamento dessa legitimidade e da sua interiorização por tofa a comunidade que reside a chave