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20 DE JULHO DE 1996

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O Estatuto, quanto ao âmbito de intervenção, estabeleceu, por via do seu artigo 2.°, uma cláusula meramente exemplificativa onde se incluem as Administrações Central, Regional e Local, a par de formas variadas de Administração Pública Indirecta. A enumeração é tanto mais exemplificativa, quanto mais adiante, no artigo 20.° são referidas as recomendações legislativas.

Quanto aos Tribunais, embora estejam excluídos os poderes de investigação em tudo o que não seja matéria administrativa, importa obter o compromisso possível entre outras formas de intervenção e a preservação da estrita sujeição à lei por parte do poder judicial. Em caso algum, uma intervenção e a preservação da estrita sujeição à lei por parte do poder judicial. Em caso algum, uma intervenção do Provedor de Justiça ameaçará este pressuposto, muito menos o da independência, porquanto os seus actos nunca terão mais valor que o de simples recomendações. Reconheço tratar-se de uma questão em aberto, sobre a qual há que reflectir desapaixonadamente.

Desta descrição do Estatuto do Ombudsman português, cujos justos receios de fastídio causado na audiência me aconselharam à não exaustão, pode retirar-se uma bastante significativa vantagem adicional conferida ao cidadão quando recorre ao Provedor de Justiça.

É-lhe permiddo não ter de buscar consolo no velho brocardo latino dura lex sed lex. Decorre linearmente das atribuições e competências do Provedor de Justiça, como de resto deve decorrer do estatuto de qualquer Ombudsman, uma preocupação não apenas com a legalidade de um acto, não apenas com a sua licitude, mas também com a sua conformação a princípios e valores superiores, retirados em qualquer caso, do quadro axiológico constitucional. Se a injustiça de um acto ou de uma omissão radicar na lei cabe ao Ombudsman diligente prover pela alteração da regra que imponha essa omissão ou impeça um acto de conteúdo diverso. E, nessa tarefa, cabe-lhe insistir, reiterar as suas formulações e fazer responsabilizar os órgãos competentes.

Missão difícil, não sem os escolhos de um caminho tortuoso que o Ombudsman, pela experiência adquirida, deve saber enfrentar, dando voz ao cidadão e exercendo um verdadeiro poder moderador. Não o poder moderador entre os três poderes clássicos, apontado por Benjamin Constant, mas o poder moderador entre o cidadão e a prolixidade dè poderes públicos. É que, como já Erasmo de Roterdão afirmava, no seu Elogio da Loucura, reportando-se a alguns altos funcionários do seu tempo, estes se revelavam «sempre intransigentes quanto à recolha dos emolumentos e severos para quem ignora os direitos deles; mas tratandó-se de algum encargo, prudentemente o colocam nos ombros dos outros, e passam-no de mão para mão como se fosse uma bola».

Intervenção do Provedor de Justiça no Colóquio «A Descoberta»

O Segredo do Estado Gulbenkian, 21 de Maio de 1994

O título VUI do quinto livro das Ordenações Filipinas inicia-se com o epígrafe «Dos que abrem as cartas Del--Rey, ou da Rainha, ou de outras pessoas», e aí se diz que «Qualquer, que abrir a nossa Carta, assinada per Nós, em que se contenhão cousas de segredo, que specialmente pertenção à guarda de nossa pessoa, ou stado, ou'da Rainha, minha mulher, ou do Príncipe meu filho, ou à

guarda e defensão de nossos Reinos, e descobrir o segredo dellá, do que a nós poderia vir algum prejuízo, ou desserviço, mandamos que morra por isso».

Diferentes são as penas actualmente estatuídas para quem violar o segredo de Estado, e isto de acordo com a recente e actual lei do segredo de Estado — a Lei n.°6/ 94, de 7 de Abril.

Mas mais do que encetar uma interpretação da actual

lei, urge reflectir um pouco acerca do segredo de Estado e dos seus condicionantes.

Primeiro que tudo há que aferir da admissibilidade da categoria. Se a resposta for positiva haverá que enquadrar algumas formulações que tenham por âmbito a demarcação dos contornos da figura em causa.

Quem de entre os órgãos públicos deve ter competência para definir o âmbito do segredo de Estado? Em que circunstâncias deve terminar o segredo do Estado? Quais as matérias que a ele devem estar sujeitas, e em que situações?

São conhecidos da história, vários exemplos em que por uma forma ou outra, alguém com o objectivo do poder e do seu uso, tentou obter informações preciosas e de acesso restrito com o fim de utilizar essa mesma informação em seu benefício ou de terceiros.

Richelieu, protegido pelo segredo do rei, montou e usou uma verdadeira rede de informações. Com meios diferentes actuou Maria de Médicis, que com o seu grupo de beldades, se encarregou de obter, com as armas naturais, as informações de que necessitava a rainha regente.

É célebre a afirmação de Maquiavel quando por imperativo da moral de responsabilidade, e se tal fosse necessário, se deveria perder a alma para salvar o Estado.

Se o acesso e conhecimento de determinada informação e procedimentos é reservada a poucos, já a lealdade com o Estado é exigida a todos. Mas a lealdade necessita ela própria de ser enunciada, sob pena de em certas épocas históricas ou face a determinado tipo de Estado, ser confundida com submissão.

Nos Estados totalitários sempre se dispensou a previsão legal do segredo e isto em virtude da actuação totalmente discricionária da Administração.

A partir do momento em que quer o governo quer a Administração se encontram sujeitos ao princípio da legalidade, há que encontrar a legitimação e o modus operandi do segredo de Estado, para que este não justifique a não subordinação ao princípio da legalidade com inerentes violações aos direitos, liberdades e garantias fundamentais.

Acresce que a vigência do princípio da separação de poderes no actual Estado social de direito, entendido não como reflexo de um corte radical entre as matérias respeitantes aos mesmos, mas sim de concatenação e interdependência entre os diversos poderes; vive (ou sobrevive) com base no seu equilíbrio. É este equilíbrio, já de si precário, que é hoje em dia, face ao secretismo do executivo, posto em causa.

O Estado democrático actual reconhece como um' dos princípios em que assenta a sua permanente legitimidade, o da publicidade. Bem se compreende assim que quanto mais restritivo for o campo da actuação do Segredo do Estado, mais ampla será a regra. Oú seja a transparência, a publicidade.

As sessões da Assembleia da República são públicas, bem como públicas são as audiências dos Tribunais. As normas jurídicas necessitam de ser dadas a conhecer para terem eficácia. É reconhecido aos cidadãos a liberdade de expressão e o direito à informação.