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II SÉRIE-C — NÚMERO 23

E mais concretamente dos meios disponíveis ao alcance dos cidadãos face ao abuso dos poderes existentes.

Qual é hoje, e em Portugal, a função e o papel do Provedor de Justiça? A esta questão responderei de seguida, não sem antes chamar aqui à colação a União Europeia de que Portugal é parte. Qual a função e o papel do Provedor de Justiça no espaço comunitário? É que se

a Europa é lambem a Europa dos cidadãos, estes devem

de igual modo, para além dos territórios nacionais de

origem, merecer o mesmo respeito e consequentemente

disporem de um leque de meios para fazer face aos poderes institucionais da Europa Comunitária. Mas deixemos esta ideia a florescer e voltemos ao espaço nacional.

Os direitos dos cidadãos, ou melhor a sua defesa tem de constituir uma parte integrante e integrada da ordem constitucional global. E se há actualmente meios de defesa modernos, onde se destacam os meios de comunicação social, a opinião pública e o próprio Provedor de Justiça, há igualmente que contar que os cidadãos têm hoje novos direitos (ex.: direito à protecção de dados pessoais) que necessitam de defesa, e mais importante face à sua estrutura, de novos meios de defesa. A tudo isto a actuação do Provedor de Justiça não pode ser alheia.

Deixo agora estas linhas gerais, para em seguida concretizar o tema que nos traz aqui falando da instituição que represento.

Foi na Suécia que foi criado em 1809, o Provedor de Justiça, sob a denominação de Ombudsman.

Com efeito, esta data assinalável marca o termo de um regime absolutista de concentração vertical e horizontal dos poderes na Coroa, à semelhança do que se passara por toda a Europa Continental.

A deposição do rei Gustavo TV fez então, surgir uma constituição largamente tributária de um princípio de controlo do poder parlamentar do Riksdag sobre o exercício do poder executivo. Até aqui, nada de original, porquanto a Europa era surpreendida, na mesma época, pelos alvores do movimento constitucionalista liberal, irradiado pelos autores iluministas e veiculado pelos exércitos de Napoleão.

Ao fenómeno sueco também não terá sido estranho o reformismo inglês da Glorious Revolution, nessa altura já centenário mas cuja importância na cultura política da Europa do Norte é cada vez mais acentuada pela historiografia contemporânea.

O que verdadeiramente de original houve na Revolução Sueca, foi sim a criação de um comissário parlamentar tão independente da Coroa, do Governo e dos Tribunais, quanto do próprio órgão que o designara.

Chamaram-lhe Ombudsman. Não lhe foram reconhecidas quaisquer competências dispositivas, mas foram-lhe garantidos meios adequados de fiscalização e de investigação a partir de queixas dos cidadãos apresentadas aos Deputados. Este comissário coexistia com um outro, designado pela Coroa, a quem competia exclusivamente controlar a actuação dos Ministros e seus directos dependentes.

Aquele órgão legitimava-se, como tal, não somente pela origem da sua nomeação, mas também pelo exercício das suas funções. Historicamente, encontravam-se assinalados os traços caracterizadores deste tipo de órgãos: a independência e imparcialidade, os poderes de fiscalização e a ausência de poderes de decisão imediata.

Durante quase cento e cinquenta anos, o comissário parlamentar sueco foi um motivo exclusivo de justo orgulho para o seu país. Melhot se compreenderá que a designação

de Ombudsman tenha acompanhado a sua internacionalização, iniciada pela Dinamarca em 1955.

Nos últimos trinta anos, um pouco por todo o lado, foram instituídos órgãos com aquelas características e o paradigma sueco, em lugar de ser simplesmente importado por outras culturas jurídicas, desempenhou, ao invés, um modelo, um modelo de referência.

Por isSO, â própria denominação é tão variada quanto o ilustram os variados exemplos que desde «Ombudsmen regionais», a «Ombudsmen nacionais», passando pelo mais recente— aquele que resulta do Artigo 138.°-E, do Tratado da União Europeia. Em Espanha recebeu o nome de Defensor dei Pueblo, em França, Médiateur de la Republique, em Itália o Difensore Cívico, a nível apenas regional, em Inglaterra, o Parliamentary Commissioner, no Quebeque, o Protécteur des Citoyens e na Venezuela, o Fiscal General. Muitas outras ilustrações poderiam ser encontradas em Israel, nos Países Baixos, na Áustria, na Zâmbia, na índia, na Austrália, em Hong-Kong ou na Papua-Nova Guiné. *

A par destes Ombudsmen deve ainda salientar-se o papel desempenhado pelas Comissões Parlamentares de Petições, as quais em países como a Alemanha, onde ainda falta um

Provedor nacional, estendem a sua actuação até bem perto do modelo do Ombudsman.

São frequentemente agrupados em várias famílias, partindo sempre, contudo, dos pressupostos comuns que enunciei: o modelo escandinavo, caracterizado especificamente pela possibilidade de intervenção junto do poder judicial (modelo do qual, curiosamente, não faz parte a Dinamarca);'o modelo francófono cuja especificidade reside na designação presidencial; o modelo anglo-saxónico dos países da Commonwealth, vocacionado quase estritamente para as questões procedimentais administrativas, em especial, para o acesso a documentos de conhecimento reservado; o modelo difuso, apanágio dos Estados com opção federal óu vincadamente regional, como sejam os casos alemão, norte-americano e italiano, onde, grosso modo, tão só existem Ombudsmen locais, regionais ou federados; e aquele a que me atreveria a chamar modelo ibérico, por nele figurarem poderes muito relevantes de iniciativa de fiscalização da constitucionalidade.

De facto, creio que sem excepção, não encontramos nenhum Ombudsman cujo conteúdo funcional, procedimento adoptado e âmbito de actuação, correspondam, em absoluto, ao de outro. Permitam-me que por mais uma vez regresse ao exemplo da Suécia para vos dar conta de um aspecto que julgo ímpar. O Ombudsman sueco encontra-se impedido de fiscalizar a actuação do Governo, colegialmente ou através dos seus Ministros.

Isto porque é entendido ser vedado ao Governo, bem como aliás ao Parlamento, estipular como deve a Administração decidir em situações individuais e concretas. Como por certo, reconhecerão, tal limite pareceria impensável nos modelos administrativos historicamente centralizados de tipo francês ou mesmo nos sistemas de raiz anglo-saxónica.

Expostas previamente estas ideias quanto à situação do Ombudsman no espaço e no tempo, gostaria de me deter um pouco mais sobre Portugal e o Provedor de Justiça.

Consagrado constitucionalmente em 1976, o Provedor de Justiça remonta na sua criação, a 1975. Completa em 1994, pois, dezanove anos.

O facto de se encontrar consagrado no artigo 23.° da Constituição (Título II, Capítulo I), confere-lhe uma pro-