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II SÉRIE-C — NÚMERO 23
Está consagrado constitucionalmente o princípio da Administração Aberta, bem como normativamente consagrado se encontra o acesso dos cidadãos aos documentos
da Administração (Lei n.° 65/93, de 26 de Agosto).
Face a este quadro, o segredo de Estado, representa um limite ao princípio da publicidade dos actos oficiais, especialmente do direito de informação.
Se aquilo que se disse até ao momento não se encontrar errado, e pensamos que não, e porque o segredo de Estado restringe direitos, liberdades e garantias, as restrições que sejam impostas hão-de estar sujeitas à observância dos pressupostos materiais de legitimidade constitucional das leis restritivas.
Ao não se questionar (o que não implica que não seja questionável) a admissibilidade da categoria em causa, posição comum nos Estados democráticos mais avançados, toda a atenção incide agora sobre quem e como opera o segredo de Estado. E isto com o intuito de evitar que se caia, e utilizando as palavras de Gomes Canoülho e Vital
Moreira, numa arcana praxis.
A fim de facilitar a reflexão sobre a matéria, há que averiguar em termos comparativos a evolução e actual situação nalguns países que tem trabalhado o assunto em causa e de quem mais temos sofrido influências.
Na Grã-Bretanha o segredo de Estado foi acolhido no Official Secrets Acts (de 1911-1939), que na sua T secção nos apresenta cerca de 2000 diferentes ilícitos, abrangendo um vastíssimo número de situações em que é imposto o dever de sigilo a funcionários públicos e a terceiros quanto a factos, documentos e informações reservadas, segundo decisão do executivo, solução que só é socialmente suportável dada a ampla discricionaridade no exercício da acção penal.
Igualmente nos Estados Unidos da América, a matéria de classificação de documentos oficiais.é regulada por regulamentos do executivo, elaborados pelo Presidente. Só a partir da primeira guerra mundial existiu um sistema de classificação organizada, e nessa altura somente para os departamentos militares. A classificação foi alargada aos departamentos civis pelo Presidente Truman em 1951.
O actual regulamento data de 2 de Abril de 1982 e foi emitido pelo presidente Reagan. A matéria de segredo é classificada em três níveis: muito secreto, secreto e confidencial.
Em Itália a matéria acha-se regulamentada pela lei n.°80I de 24 de Outubro de 1977. De realçar que esta lei exclui no n.° 2 do seu artigo 12 do âmbito do segredo do Estado os factos respeitantes à subversão da ordem constitucional. A referida lei considera cobertos pelo segredo de Estado «os actos, documentos, informações, actividades e tudo aquilo cuja difusão seja susceptível de causar danos à integridade do Estado democrático, às relações ou acordos internacionais, à defesa das instituições previstas na Constituição como seu fundamento, ao livre exercício das funções dos órgãos constitucionais, à independência do Estado e à defesa militar do Estado».
Na Espanha, a Lei n.° 42/78, de 7 de Outubro, considera que podem ser declaradas matérias classificadas os «assuntos, actos, documentos e informações, dados e objectos cujo conhecimento por pessoas não autorizadas possa causar dano ou pôr em risco a segurança e a defesa do Estado».
A classificação comporta dois níveis — secreto e reservado — e compete exclusivamente ao Conselho de Ministros ou à Junta dos Chefes de Estado-Maior.
Em França, no plano administrativo, a matéria do segredo do Estado apresenta três níveis, sendo o primeiro apenas da competência do Primeiro-Ministro e os restantes da competencia dos Ministros.
Na Alemanha não existe regulamentação legal em matéria do segredo de Estado, admitindo a jurisprudência a legitimidade constitucional do privilégio que o Executivo tem de manter secretas certas actividades, do domínio da defesa e da segurança.
Cumpre agora, depois de visitados alguns países estrangeiros, precisar o enquadramento dogmático a que se encontra sujeito o segredo de Estado em Portugal.
Com a segunda revisão constitucional, operada em 1989, o texto constitucional passou a fazer referência expressa à figura do segredo de Estado.
A propósito da utilização da informática, o artigo 35.° da Constituição limitou o direito de os cidadãos tomarem conhecimento de dados constantes em ficheiros ou registos informáticos, e isto em virtude da lei sobre segredo de Estado e segredo de justiça.
O artigo 159.° da lei fundamental consignou que a faculdade de os deputados fazerem perguntas ao governo sobre quaisquer actos deste ou da Administração Pública, estava limitada pelo disposto na lei em matéria de segredo de Estado.
Em matéria de reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, o artigo 168.°, n.° 1, alínea r), estatui que é da exclusiva competência deste órgão legislar sobre o regime dos serviços de informação e do segredo de Estado.
Em 1984 foi publicada a lei quadro do sistema de Informações da República Portuguesa (Lei n.° 30/84, de 5 de Setembro).
Esta lei foi depois complementada por outros diplomas legais de que se destacam o Decreto-Lei n.° 223/85, de 4 de Julho, que estabelece os princípios fundamentais a que deve obedecer a actividade dos serviços integrados no Sistema de Informações da República Portuguesa, e os decretos leis que estabelecem as orgânicas do Serviço de Informações Estratégicas da Defesa e do Serviço de Informações de Segurança. Há que apontar igualmente o diploma que reestruturou o Serviço de Informações Militares.
Por último, foi publicada no passado dia 7 de Abril a Lei do Segredo de Estado — Lei n.° 6/94.
A presente lei considera abrangidos pelo segredo de Estado os documentos e informações cujo conhecimento por pessoas não autorizadas é susceptível de pôr em risco ou de causar dano à independência nacional, à unidade e integridade do Estado e à sua segurança interna e externa.
O risco e o dano referidos decorrem de uma avaliação caso a caso, não resultando automaticamente da natureza das matérias a tratar.
A classificação das matérias como segredo de Estado é da competência do Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, do Primeiro-Ministro, dos Ministros e do Governador de Macau.
Refira-se que a presente Lei foi sujeita a um pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade formulado pelo Presidente da República, tendo-se o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.° 458/93, pronunciado pela inconstitucionalidade da Lei na parte em que atribuía competência aos Presidentes dos Governos Regionais para classificarem as matérias como segredo de Estado.
Quer a classificação, quer a desclassificação têm de ser fundamentadas e o prazo máximo para a sua duração não pode exceder quatro anos.