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II SÉRIE-C — NÚMERO 23

Discutiu-se, em tempos idos, se assistiria ou não ao Provedor de Justiça propor textos legislativos, propulsionar procedimentos criadores de normas. Actualmente, no bom sentido, o Estatuto admite, sem equívocos, a faculdade de formular sugestões para a elaboração de nova legislação [artigo 20.°, n.° 1, alínea b)\.

O segundo tipo de recomendações tem a ver com situações individuais e concretas relativamente às quais se entende que os poderes públicos agiram à margem da lei ou, embora em conformidade com ela, praticaram actos iníquos. Nestes casos, o Provedor de Justiça procura convencer a Administração de que, por acção ou por omissão, violou a lei, motivando-a, por exemplo, à revogação de um acto ilegal, ou então, à sua revogação por razões que se prendem com o mérito. Este último ponto torna-se, por vezes, bastante difícil. Quando se encontra decorrido o prazo de revogação por ilegalidade e o acto não é afectado por vício gerador de nulidade, subsiste apenas a revogabilidade por razões de conveniência. Penetra-se, então, no campo da discricionaridade (até da discricionaridade técnica) e a argumentação jurídica, cede lugar às razões aduzidas por peritos das mais diversas áreas aos quais não me furto a recorrer. Não há razão alguma para que o Provedor de Justiça, quando esteja munido dos necessários instrumentos, fique condicionado pelas limitações inerentes ao recurso contencioso de mara anulação.

As recomendações que formulo, caso não venham a ser acatadas, impõem sempre, pelo menos, o cumprimento de um dever de fundamentação no prazo máximo de 60 dias (artigo 38.°, n" 2 e 3). Em frequentes ocasiões, esta fundamentação dá lugar a uma réplica e, em situações extremas, deve o Provedor de Justiça comunicar a situação ao Parlamento (artigo 38.°, n.° 5).

Como podem facilmente antever, o objecto das recomendações é extremamente variado.

A recomendação, disse-vos há pouco, é o procedimento típico da intervenção de um Ombudsman. No entanto, importa considerar soluções obtidas quer a montante, quer a jusante do acto de recomendação.

Com efeito, muitas vezes, a solução é alcançada no decurso da própria instrução — em alguns casos, a partir de um simples telefonema ou do envio de uma telecópia. Podemos considerar como tal, a actividade de conciliação ou de mediação, à qual o Estatuto se reporta quando vncumbe o Provedor de Justiça de «procurar, em colaboração com os órgãos e serviços competentes, as soluções mais adequadas à tutela dos interesses legítimos dos cidadãos e ao aperfeiçoamento das actividades administrativas» [artigo 21.°, n.° 1, alínea c)]. Por outro lado, sempre que possível, surgem actuações no domínio

preventivo. Durante o ano findo, dei instruções aos meus serviços para serem tomadas acções profilácticas quanto a situações de confronto físico que, nessa altura, envolveram as forças de segurança e manifestantes universitários por causa do pagamento de propinas.

Estas são, como referi, as intervenções situadas a montante da Recomendação.

Na outra margem, encontram-se as competências do Provedor de Justiça no âmbito do controlo jurisdicional da constitucionalidade e da legalidade. Como sabem, foi conferido ao Provedor de Justiça um largo poder de iniciativa junto do Tribunal Constitucional, com vista a x obter a declaração de inconstitucionalidade de normas íartigo 281.°, n.° 2, alínea d), da CRP] ou a verificação da omissão de medidas legislativas adequadas a desenvolver

certos preceitos constitucionais (artigo 283.°, n.° 1, CRP). Refira-se que a iniciativa na fiscalização por omissão é exclusiva do Provedor de Justiça, apenas partilhada com o Presidente da República. Tive oportu-nidade de, recentemente, largar mão deste poder, face à não concretização do direito de acção popular — muito mais generoso no artigo 53.°, n.° 3, do texto constitucional que nos preceitos do velho Código Administrativo de 1940.

O poder de iniciativa junto do Tribunal Constitucional ficou enriquecido, desde 1989, ao ser acrescido do domínio da violação das chamadas leis de valor reforçado por outros actos legislativos.

Estes poderes não encontram, algo paradoxalmente, um contraponto adequado na área do Contencioso Administrativo. Em sede de próxima revisão do Estatuto, eu próprio ou algum dos meus sucessores deverá bater-se, no mínimo, pela consagração de uma legitimação conferida ao Provedor no acesso à impugnação de normas regulamentares. Isto, porque acaba, muitas vezes, por se verificar uma duplicação de esforços juntamente com o Ministério Público, sem qualquer vantagem para a justiça Administrativa, nem para os cidadãos.

Outro poder conferido ao Provedor de Justiça é o fazer desencadear processos de impugnação contenciosa de cláusulas contratuais gerais tidas por contrárias à boa-fé. Com a multiplicação dos chamados contratos de adesão, as situações de clara menoridade de uma das partes têm-se multiplicado também — fundamentalmente, na sua utilização pelos serviços públicos de saúde, de comunicações e de fornecimento de água e energia. Esta possibilidade de intervenção em defesa dos consumidores e dos utentes de serviços públicos, não se encontra assinalada pelo Estatuto do Provedor, mas sim pelo regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, contido no Decreto-Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro. Encontra eco, porém, na tutela dos interesses colectivos ou difusos, incumbida ao Provedor de Justiça pelo artigo 20.°, n.° 1, alínea e), do seu Estatuto.

Indicarei, por fim, um quinto conjunto de formas típicas de intervenção do órgão que hoje represento. Trata-se das participações de infracção criminais, disciplinares ou do domínio do ilícito de mera ordenação social. Nestes casos, a partir de factos indiciados na instrução de um processo, o Provedor de Justiça está vinculado a fazê-lo, de acordo com o disposto no artigo 35.°, n.° 1, do seu Estatuto.

Não ficaria completa, porém, a descrição do estatuto do Ombudsman português se não nos referisse ao seu âmbito de aplicação.

A Constituição, no seu artigo 23.°, n.° 1, refere-se genericamente e sem qualquer exclusão aos poderes públicos. Isto não significa, porém, que o Provedor de Justiça não possa estender a sua actividade a outro tipo de poderes, como seja o caso de especiais relações de autoridade entre sujeitos particulares ou entre estes e algumas instituições do chamado sector social e cooperativo. Na verdade, tenho vindo a defender reiteradamente o dever de actuação da Provedoria de Justiça em caso de ameaça ou de efectiva lesão de direitos, liberdades e garantias nas situações apontadas. Esta ideia vem, aliás, ao encontro do princípio segundo o qual esta categoria de direitos fundamentais se faz valer directamente, mesmo no seio de relações privadas. Daí tendo retirado uma proveitos intervenção no tocante à protecção de menores e de idosos mesmo contra poderes que não são, em rigor, poderes públicos, mas em que tudo se lhes assemelha.