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20 DE JULHO DE 1996

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tecção acrescida, porquanto beneficia assim do regime específico dos direitos, liberdades e garantias, quer no tocante às restrições a este direito (sujeitas ao crivo estreito do artigo 18.°, n.os 2 e 3), quer no respeitante aos limites materiais de revisão constitucional [artigo 288.°, alínea d)}.

Do texto constitucional resulta, desde logo, o carácter universal do direito de apresentar queixas ao Provedor de Justiça. Apesar de o artigo 23.°, n.° 1, se reportar apenas aos cidadãos, o artigo 15.°, n.° 1, estende aquele direito aos estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal e, por seu turno, o artigo 12.°, n.°2, permite às pessoas colectivas recorrer ao Provedor de Justiça, já que se trata de um direito inquestionavelmente compatível com a sua natureza. Refira-se ainda que o direito de queixa pode ser exercido colectivamente, mesmo por grupos não dotados de personalidade jurídica, e, por outro lado, não é aferido por quaisquer pressupostos de legitimidade . procedimental, tal como resulta expressamente do Estatuto aprovado pela Lei n.°9/91, de 9 de Abril.

Este Estatuto, cuja aprovação é da competência exclusiva da Assembleia da República, sucedeu à primeira versão, constante da Lei n.° 81/77.

Nele se dispõe que o Provedor de Justiça possa actuar também por iniciativa própria (artigo 24.°, n.° 1).

Naturalmente, esta disposição não faria sentido se consagrada enquanto direito fundamental, na Constituição, embora, nem por isso, deixe de ser preciosa. Ainda há pouco tempo, um conjunto de actuações dirigidas aos reitores universitários quanto às provas de acesso ao ensino superior, partiu de uma notícia relatada por um jornal. Só posteriormente chegaram as largas dezenas de queixas, o que não impediu que agisse rapidamente. A celeridade teve neste caso, como em tantos outros, a vantagem da eficácia.

Outro corolário do princípio da iniciativa própria é o da não vinculação ao objecto da queixa. O Provedor de Justiça não tem de cingir-se aos factos descritos nas queixas recebidas e pode recomendar ultra vel extra petitum.

Com o propósito de sistematizar, concluiu-se que o Provedor de Justiça pode actuar a partir de queixas, reclamações, simples exposições ou oficiosamente.

Refira-se, ainda, outro pressuposto de actuação — pouco frequente, de resto — que é o da transmissão de queixas pela Assembleia da República.

Em todo o caso, salvo em situações de arquivamento liminar das queixas por falta de competência ou por manifestamente serem desprovidas de fundamento, inicia-se a instrução dos processos.

Quando não me é conferida directamente ou a um dos dois provedores-adjuntos, caberá a um dos cerca de vinte e cinco assessores da Provedoria, coordenados em cinco áreas distintas, mas comunicantes: 1." Assuntos Constitucionais, Urbanismo, Ambiente e Cultura; 2.* Assuntos Financeiros e Laborais; 3.* Assuntos Sociais (Educação, Segurança Social, Menores, Saúde, Desporto); 4.* Organização Administrativa, bastante onerada pela profusão de reclamações subscritas por funcionários públicos contra o Novo Sistema Retributivo; 5." Assuntos Judiciários, Defesa e Segurança Interna..

A instrução é, tanto quanto possível, orientada por princípios de informalidade, não se sujeitando a nenhum dos diversos regimes de produção de prova.

Como limites da instrução encontram-se, naturalmente, os direitos fundamentais (a começar pela reserva de intimidade) e o sigilo protegido especialmente pela lei, ou seja, o segredo de Estado, o segredo de justiça e o segredo

profissional por razões estritamente deontológicas. De todo o modo, há-de procurar-se sempre o equilíbrio possível entre o dever de sigilo decorrente da lei (artigo 12.°, n.° 2, do Estatuto) e a não sujeição aos regimes processuais probatórios [artigo 21.°, n.° 1, alínea b)).

Por forma a habilitar a instrução dos seus processos, o Estatuto garante ao Provedor amplíssimos poderes de investigação, por meio de inspecções, exames, consultas a documentos, inquirições, pedidos de esclarecimento e tanto quanto o permitem as tipologias meramente exemplificativas dos artigos 21.°, 28.°, 29.° e 30."

Em correspectividade com este poderes encontra-se o dever de cooperação por parte dos «órgãos e agentes das entidades públicas, civis e militares» (artigo 29.°, n.° 1) e o dever de todos os cidadãos prestarem depoimento quando devidamente solicitados (artigo 30.°, n.° 1).

Em situações de absoluto e injustificado não cumprimento destes deveres, surge a incriminação como desobediência ou desobediência qualificada, consoante as situações ou os seus agentes (artigo 29.°, n.° 6, e artigo 30.°, n.° 3).

Em seguida, dedicarei alguma atenção aos resultados a que pode conduzir um processo iniciado na Provedoria de Justiça, não sem recordar, de novo, que o Provedor não tem quaisquer poderes dispositivos, no sentido de criar, revogar ou alterar uma norma, um acto da administração ou uma decisão judicial.

Longe de se revelar como um ponto fraco, vulnerabiliza-dor da minha actuação, considero ser este o traço diferenciador da actuação do Ombudsman no quadro dos órgãos do Estado. Ao Provedor as.siste o poder de influenciar o comportamento dos restantes poderes públicos, não pela razão da autoridade, não por qualquer privilégio de execução prévia, mas pela autoridade da razão, pelo privilégio do distanciamento em relação aos diversos interesses públicos que movem a actuação dos outros órgãos e serviços do Poder.

Ora, um Provedor de Justiça, segundo entendo, para alcançar êxito na sua missão principal — de prevenir e reparar injustiças perpetradas por acções ou omissões do Poder— não pode confiar apenas no bom sucesso das armas de persuasão, nas virtualidades da sua capacidade de exortar.

Não haja qualquer dúvidas quanto ao auxílio fundamental prestado ao Provedor peíos órgãos de comunicação social, não restem preconceitos quanto a juízos de oportunidade com vista a ser conseguido este ou aquele comportamento por parte da Administração. Todavia, o gládio de qualquer Ombudsman deve consistir numa argumentação de quem procura servir os mais nobres valores da justiça e, last but not least, uma considerável criatividade sempre renovada à luz da vastíssima heterogeneidade de problemas que diariamente lhe são expostos. Como afirma John Rawls, «a questão é a forma justa de responder à injustiça».

Assim, por excelência, a intervenção prototípica do Ombudsman é a Recomendação. Como se pode ler na Constituição, trata-se de dirigir «aos órgãos competentes as recomendações necessárias para prevenir e reparar injustiças».

As recomendações podem ser classificadas de acordo com vários critérios. O mais usual é o que faz separar as recomendações normativas e as recomendações não normativas. As primeiras visam alterar ou revogar normas contidas em actos legislativos ou regulamentares tidos por ' injustos ou, em muitos casos, a sua simples interpretação.