20 DE JULHO DE 1996
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gémeo deste. Em causa está sempre a correspondência objectiva da realidade com o facto, mais do que a questão da veracidade de afirmação de alguém relativa ao facto.
As concepções até há pouco dominantes no domínio dó direito probatório vieram perdendo validade, em virtude de factores que exercem influência sobre esse mesmo direito, e que levaram ao .declínio do sistema da prova legal, acompanhado, paralelamente, de uma maior valoração do sistema da prova livre. É que tão importante como promover o modo da realização de uma prova, é possibilitar a valoração da prova, tornando-a uma componente da actividade decisória do juiz. Como afirma o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, no seu notável estudo sobre A Livre apreciação da prova em processo civil, «quanto maior for a latitude dos poderes instrutórios do juiz, maior é a possibilidade de aproximação da verdade judicial à verdade material» (' ')• Assim, o aumento da racionalidade, ou melhor, dos possíveis modelos de racionalidade para a
justificação da valoração da actividade probatória das partes faz aumentar a identidade entre os factos provados e os factos reais. No seu trabalho para professor agregado em Filosofia do Conhecimento, Fernando Gil resume a aporia fundadora da prova judiciária conforme ela se ordena primacialmente à argumentação ou ao testemunho empírico da seguinte forma: «a argumentação e, mais em geral, um princípio racionalista da prova decorrente das normas do comportamento presumíveis mais verosímeis, e o testemunho sensível, permanecem os dois fundamentos dos 'mecanismos' da prova. O critério moderno da íntima convicção do juiz visa de algum modo conciliá-los. Note-se que estamos exclusivamente no quadro da questio facti: trata-se de saber se, na fixação do próprio facto, conta mais a argumentação ou o testemunho empírico — por exemplo quando é porventura preciso escolher entre as declarações de alguém que afirma ter visto certa pessoa cometer um crime em certo lugar e momento e um argumento segundo o qual, tal pessoa não deveria esjar nesse lugar, ou estabelecendo que o crime prejudicaria gravemente essa mesma pessoa e que, portanto, ela não o devia ter cometido. Em linguagem científica, é o problema da base empírica, não o da explicação» (12).
Saber assim se a prova deve ser essencialmente argumentativa e demonstrativa, como se sustentou em certas épocas históricas, ou essencialmente lógica-racional como se tem sustentado noutras, tem prendido a atenção de inúmeros autores e enchido milhares de páginas.
Na antiguidade greco-romana foi grande a valorização da prova testemunhal, valorização essa que viria a ser recebida na Idade Média europeia. Aí se afuma a ideia de que nem todos os meios de prova oferecem a mesma segurança, que um observador directo é melhor que uma testemunha de ouvir dizer. A valorização da prova testemunhal acentuou-se muito no direito processual inglês, baseado no sistema da cross examination e na intervenção de um júri de leigos, a partir do século xin.
A partir do século xvi, os direitos continentais, vão começar a virar-se para a prova documental.
E chegamos aos nossos dias em que se admitem diversos meios de prova. No nosso direito positivo são admissíveis as provas por presunção, por confissão, por documentos, por peritos, por inspecção judicial e por testemunhas, vigorando entre nós um sistema moderado de livre apreciação da prova.
(") In Scientia Jurídica, 1984, XXXIII, pág. 129. (,J) Provas, 1986, ano 33, 1973, pág. 167 e segs.
O princípio da livre convicção na apreciação da prova, introduzido entre nós em 1926 e consagrado actualmente no artigo 655." do Código de Processo Civil, não possibilita a dispensa da motivação da decisão de facto, pois só esta permite apreciar convenientemente o alcance da livre convicção do juiz.
O artigo 653.°, n.°2, do C.P.C., obriga o tribunal a especificar os motivos que foram decisivos para a sua convicção, e o artigo 712.°, n.° 3, referindo-se à possibilidade da Relação exigir ao tribunal colectivo a fundamentação das respostas aos quesitos, afirma que o tribunal deve fazer menção pelo menos dos meios de prova em que fundou a sua decisão. Ora, este dever de motivação não pode reconduzir-se à mera indicação da fonte de informação sem especificar o conteúdo por ela transmitido, sob pena de não se assegurar a racionalidade da fundamentação. Aliás, sem existência de fundamentação como se asseguraria o controlo da racionalidade da própria decisão?
Se a prova for meramente documental ou estiver registada, ainda se poderá ceder neste dever de fundamentação, ao aceitar-se como suficiente a mera indicação para o meio concreto da prova.
Mas se o registo da prova produzida oralmente é, de acordo com os artigos 563.° e 564.° do C.P.C., a relativa à prova por confissão das partes, aplicável à prova testemunhal (artigo 639.°, n.° 1, do C.P.C.), então fácil será de concluir que exercendo-se a actividade probatória directamente perante o tribunal e dela, em princípio, nada ficando registado, então, dizíamos, quão importante é a fundamentação da decisão de facto, fundamentação essa que se exige como algo mais do que a simples remissão para o meio da prova, pois só assim se pode controlar a racionalidade da decisão tomada.
Se há meios de prova que pela sua natureza se encontram ab initio documentados, outros há, como a prova testemunhal, que, regra geral, após a sua produção em juízo não mais podem ser controlados. Crescem assim razões e adeptos para a documentação da prova, nomeadamente para o registo da prova oral hoje efectuada. Para o registo da prova fala-se num acelerar das audiências, num facilitar do recurso de apelação e na própria moralização da prova. Seja como for, o registo da prova como garantia do processo é o sistema adoptado em diversos países, permitindo aos Tribunais Superiores verificar quando há vício de convicção, fazendo baixar os processos aos tribunais inferiores.
Registe-se aqui, mais uma vez, a doutrina do Prof. Pessoa Vaz, quando em 1973 publicou a sua comunicação subordinada ao Tríplice ideal da justiça célere, económica e segura ao alcance do legislador processual moderno, em que se insurge contra a inexistência da garantia do segundo grau de jurisdição em matéria de facto (l3).
Na sua dissertação de doutoramento, publicada em 1976, o nosso homenageado, considera o juiz como principal responsável pelo resultado justo ou injusto e pela eficiência ou ineficiência prática das decisões judiciais; e bem assim «pela consecução das altas finalidades ético-sociais e político-jurídicas do processo modernq, que visam primordialmente o restabelecimento da ordem na justiça e a plena realização de uma autêntica pacificação social» (14). Mas o dever de motivação de sentenças, sobretudo em matéria
(») tn R.O.A.. ano 33. 1973. pág. 167 e segs. -
O4) Dos Poderes e Deveres do Juiz na Conciliação Judicial, pág. 83.