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20 DE JULHO DE 1996

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Quando o Estado (ouça-se poderes púbücos) desrespeita as regras mais elementares de igualdade e equidade no tratamento dos particulares que concorrem a um relacionamento económico com ele, levantando as maiores suspeitas sobre as intenções reais das pessoas físicas envolvidas no processo de decisão, sem dúvida que o Estado não está a colocar-se ao serviço do Cidadão.

Mas quando, ao abrigo, aliás, de imposições constitucionais, o Estado impõe restrições urbanísticas, apesar de os interesses de alguns cidadãos em particular poderem ser prejudicados, sem dúvida que o Cidadão, não ente abstracto mas comunidade que somos todos nós e os que hão-de vir, está a ser servida pelo Estado.

E quando o Estado reconhece as dificuldades que tem em acatar uma recomendação, pela existência de ponderoso interesse público em contrário, estamos ainda perante uma situação em que o Cidadão está a ser servido pelo Estado.

O Provedor de Justiça, em caso algum, pode ser visto como um inimigo do Estado oú da Administração Pública. Tão pouco lhe cabe o papel de contrapoder. Ele é, como disse, um órgão do Estado, sendo, na medida exacta das suas competências, um centro de poder, no que aliás não é original no quadro dos órgãos estaduais. Como ouvi recentemente em Espanha, o Ombudsman existe para dar credibilidade às instituições democráticas. O facto de uma voz independente das tramas politicas, designada por amplo consenso parlamentar (no caso português), colocar à apreciação dos poderes públicos e dos cidadãos um conjunto de razões que, a seu ver, justificam a posição assumida pelo Estado ou, pelo contrário, instam à sua alteração, só contribui para a diminuição da conflitualidade sempre presente quando há que tomar decisões.

Sem querer apontar casos concretos, não será novidade a revelação da existência de entidades mais permeáveis à função eminentemente benéfica para a paz social do Provedor de Justiça. E, ainda no quadro do acatamento das suas Recomendações, não quero deixar de afirmar que o que é importante é o alcançar de objectivos, medida correcta da eficácia de uma actuação. Os meios propostos poderão não ser os melhores nem os que, sopesados outros critérios de apreciação constitucionalmente legitimados, se mostrarão possíveis. Importa, sim, que os fins que o Provedor de Justiça tem em vista, quais sejam a defesa da legalidade e da justiça da actuação dos poderes públicos, sejam alcançados. Nestes termos, pouca relevância atribuo ao eventual não acatamento literal das minhas recomendações. Tão logo haja um acatamento substancial ou, t\o mínimo, se a minha actuação tiver contribuído para alterar a perspectiva anterior dos órgãos decisórios, julgo que está bem. justificada a existência do Provedor de Justiça, órgão com provas dadas ao longo de séculos e em diversas experiências constitucionais, todas elas democráticas, e que em Portugal já alcançou, mercê da actividade dós meus ilustres antecessores que penso ter dignamente continuado, um papel importante e irreversível na árdua tarefa de todos os dias que é manter o Estado democrático ao serviço do Cidadão.

Intervenção do Provedor de Justiça na Homenagem ao Prof. Pessoa Vaz «A documentação da Prova, como garantia dos cidadãos perante a Administração da Justiça», Universidade Autónoma de Lisboa, 25 de Março de 1994.

Em 1961, o Prof. Cabral de Moneada, num estudo intitulado O Processo perante a filosofia do direito, fazendo a contraposição entre o processo civil no século xrx e no

século xx, vem a afirmar, de acordo com o Prof. Pessoa Vaz que expressamente cita, que é bem patente no então actual Código do Processo Civil, a influência do princípio do inquisitório, dando como disso exemplos, o estatuído no artigo 264, que tal como hoje prescreve o dever de verdade no processo civil (').

Se «a questão de dizer a verdade é uma das matérias mais discutidas na ciência processualística», como já em 1935 afirmou o Prof. Paulo Cunha (2), ela é ainda hoje fonte de alguma incerteza. Mas se essa incerteza alimenta ainda controvérsias doutrinais, ela é afastada pela nossa lei processual ao consagrar expressamente esse dever (3). Em obediência a esta ideia apontem-se entre outros os artigos 264, n.0* 2 e 3, que impõem às partes o dever da não articular factos contrários à verdade, e ao juiz o poder de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências necessárias para o apuramento da mesma; o artigo 456.° ao considerar como litigante de má fé o que conscientemente tiver alterado a verdade dos factos e o artigo 559.°, n.° 1, ao explicitar quanto ao depoente o seu dever de ser fiel à verdade.

As considerações prévias que efectuámos acerca do dever de verdade no processo civil só aparentemente se encontram desligadas do tema que nos foi proposto. A documentação da prova, como garantia dos cidadãos perante a administração da justiça.. Porquanto, se não descobrimos a verdade que esperanças podemos alimentar que seja feita justiça?

Algumas questões necessitam de ser colocadas face ao tema que nos orienta.

Para que é que serve a prova? Para que é que serve a documentação da mesma? Mas estas questões não podem ser colocadas isoladas do próprio campo onde operam as matérias em questão. O próprio processo civil e o seu fim têm que servir como fios orientadores das respostas a dar às questões colocadas.

E não nos podemos refugiar em considerações dogmáticas e justificativas para tentar encontrar, ainda hoje, ideias que só dum ponto de vista histórico podem suscitar primazia no que aos fins e função do processo civil dizem respeito.

Como exemplo, aponte-se o Código de Processo Civil de Zurique que no seu § 142 II prevê que, excepcionalmente, o juiz possa ele mesmo, ordenar uma prova testemunhal oficiosamente, e isso segundo o referido parágrafo, para que a verdade se imponha. (4)

Não se desconhece a dificuldade prática da ideia atrás expendida, nem o tratamento doutrinal de sinal contrário que até há bem pouco tempo fazia eco entre nós. Sem cair no radicalismo de Binder que afirmava que «o processo e a sentença nada têm a ver com a verdade», recorde-se o ensinamento do Prof. Castro Mendes, quando em 1968, nos seus Limites objectivos do caso julgado em Processo Civil, afirmava «que a verdade não desempenha em processo civil um papel essencial, embora desempenhe um papel

(') «O processo perante a filosofia do direito», in B.F.D.U.C., suplemento n.°XV (1961), págs. 88-89. A referência ao Prof. Pessoa Vaz é feita para a sua obra Atendibilidade de Factos não Alegados.

(J) Simulação Processual e Caso Julgado, pág. 31.

(3) Em termos sumários, cfr. Fernando Luso Soares, A Responsabilidade Processual Civil, pág. 167 e segs., Elício de Cresci Sobrinho, Dever da Veracidade das Partes no Processo Civil, 1992.

(<) Walter J. Habscheid, «A função social do Processo Civil Moderno e o papel do juiz e das partes na Direcção e Instrução do Processo (Direitos Alemão e Suíço)», in Scientia luridica, 1992, n.OT 235/237, pág. 125.