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3 DE AGOSTO DE 1996

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Mas bati-me de mais e por demais tempo, por esta liberdade, para encarar agora sem íntima resistência o apelo às consequências judiciais do seu abuso.

Acontece, porém, que me cabe a defesa do prestígio da instituição parlamentar, e que fiz do empenho nisso a tónica do meu mandato. Razão por que, na sequência da condenação unânime de todas as bancadas parlamentares, hoje verificada, não posso deixar de reagir com a maior indignação a um comportamento que, apesar de ridicularizar mais o órgão emissor do que o órgão de soberania que se quis menosprezar, é gravemente desrespeitoso e até ofensivo da dignidade deste.

A fim de que a Alta Autoridade a que V. Ex." preside aprecie e qualifique o comportamento referido, retirando dele as ilações que comporte, levo-o ao conhecimento de V. Ex.°

O Presidente da Assembleia da República junta à queixa gravação do referido Último Jornal da SIC.

1.2 — A AACS oficiou ao director de Programas e Informação da SIC, reproduzindo a queixa, para que informasse o que tivesse por conveniente sobre o assunto. Foi recebida, a 17 de Julho, a seguinte resposta:

Sobre o assunto informamos que a SIC acompanha todos os trabalhos da Assembleia da República nos seus serviços noticiosos, segundo critérios estritamente jornalísticos.

Para além disso, a SIC confere a maior importância às actividades e propostas de todos os grupos parlamentares e dos Srs. Deputados, o que constitui matéria que, sistematicamente, é noticiada e debatida nos programas de natureza informativa.

A prova do significado e da atenção que a nossa estação de televisão dispensa aos trabalhos parlamentares vai o ponto de ter um programa regular no qual três deputados debatem livremente os temas de natureza social, política e económica que mais interessam os Portugueses.

Tal não significa, porém, que, como se passa em todos os países democráticos e livres, aproveitando a oportunidade que alguns temas proporcionam, os mesmos não possam ser objecto de uma sátira, que não tem a intenção de ofender ninguém.

É exactamente esse o caso presente, sendo aliás de estranhar que a queixa feita pelo Sr. Presidente da Assembleia da República à AACS tenha sido divulgada muito antes da SIC dela ter sido notificada.

Finalmente, permita-se-nos salientar que, de tal forma é infundada e despropositada a queixa apresentada, a mesma foi objecto de críticas jornalísticas [...]

O director de Programas e Informação da SIC junta cópia de um comentário publicado no Diário de Notícias, de 1 de Julho, relativo à emissão televisiva em causa e à presente queixa do Presidente da Assembleia da República.

II — Análise

H1 — O Presidente da Assembleia da República, na sua queixa, qualifica o comportamento da SIC como uma «ofensa gratuita e grosseira à dignidade de um órgão de

soberania que representa a totalidade dos cidadãos portugueses, logo indirectamente a todos estes» e refere que, «nessa medida, o acto poderia, inclusive, ser passível de procedimento judicial, se viesse a ser considerado, como provavelmente podia, abuso de liberdade de informar».

Mas não é esta a esfera de acção da AACS.

O âmbito no qual esta Alta Autoridade pode apreciar a presente queixa do Presidente da Assembleia da República é, precisamente, o do rigor da informação.

De facto, é atribuição da AACS «providenciar pela isenção e rigor da informação», de acordo com o estabelecido no artigo 3.°, alínea e), da Lei n.° 15/90, de 30 de

Junho.

É, pois, esta Alta Autoridade competente para conhecer da queixa, atento ainda o artigo 4.°, alínea 0, da mesma lei.

11.2 — Importa saber se a SIC, no aludido serviço noticioso, infringiu ou não o dever de rigor informativo, quando distorceu a voz do Presidente da Assembleia da República e acelerou os movimentos dos Deputados nos momentos da votação, exercendo, assim, a sátira num serviço noticioso.

11.3 — É evidente que um comentário, mesmo em tom satírico, pode ser incluído num serviço noticioso da televisão. Necessário é, porém, que surja nítida aos olhos dos espectadores a separação entre a notícia e o aludido comentário, como, aliás, é exigência da ética jornalística (n.° 1 do Código Deontológico do Jornalista, aprovado em 4 de Maio de 1993).

Ora, a verdade é que, em nosso entender, essa separação, no caso em apreço, não foi suficientemente explícita. E bem podia tê-lo sido, uma vez que a inserção da sátira em causa se verificou na parte final da notícia satirizada (votações da proposta governamental de transferência das receitas do Totobola para os clubes de futebol e da proposta de lei que altera as regras de perda de mandato dos presidentes dos municípios).

m — Conclusão

Apreciada uma queixa do Presidente da Assembleia da República, Dr. António de Almeida Santos, contra o SIC, por esta ter violado o dever legal de rigor informativo, satirizando, em algumas passagens do Ultimo Jornal de 27 de Junho de 1996, as votações do plenário daquele órgão de soberania, a AACS delibera:

a) Reconhecer a legitimidade da sátira política enquanto vector de aperfeiçoamento das sociedades democráticas;

b) Considerar que, no caso em apreço, a SIC não estabeleceu suficientemente a separação entre a notícia e a sátira.

Nota. — Esta deliberação foi aprovada por maioria, com votos de Maria de Lurdes Breu (relatora), José Maria Gonçalves Pereira, Eduardo Trigo. Torquato da Luz, Assis Ferreira e Beltrão de Carvalho, e abstenções de Artur Portela (com declaração de voto) e Alberto de Carvalho (com declaração de voto).

Alta Autoridade para a Comunicação Social, 30 de Julho de 1996. — O Presidente, José Maria Gonçalves Pereira.