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II SÉRIE -C —NÚMERO 8

sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos»; que «as regras básicas para a sua organização e funcionamento se encontram no Código das Sociedades Comerciais»; que «os gestores da SOPORCEL não são considerados gestores públicos»; que «em certas matérias a assembleia geral da SOPORCEL só pode deliberar por maioria qualificada de 60 %»; e que «competirá sempre ao conselho de administração da SOPORCEL gerir as actividades desta com autonomia [...]».

Para além disto é sabido que as próprias empresas públicas são hoje administradas com grande grau de autonomia em face do Governo e da Administração.

Justifica também um comentário da Mesa a afirmação da Comissão de Ética segundo a qual «a lei das incompatibilidades não expressa nem revela com clareza que o seu objectivo é apenas o de garantir que, no exercício das suas funções, os Deputados sejam totalmente independentes do Governo, para que possam assim exercer a sua função fiscalizadora sobre este de modo isento e eficaz». A lei, no seu entender, «faz nascer incompatibilidades das situações mais diversas, algumas das quais [...] nem sequer terão directamente a ver com as almejadas isenção, eficácia e sobretudo dignidade ética do exercício do mandato de Deputado».

Para a Mesa, questão é saber se a Constituição está ou não de acordo com esse plúrimo brotar de incompatibilidades. E a resposta que encontra é não. Nunca se realçará demais que, nos termos do n.° 3 do artigo 50.° da Constituição, «no acesso aos cargos electivos, a lei só pode estabelecer as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respectivos cargos».-

Ora, parece hão ser forçado pretender que, se assim é para o acesso aos cargos, assim deve ser para o exercício deles.

A esta conclusão não obsta a circunstância de, em matéria de incompatibilidades, a Constituição remeter secamente para a lei, apenas prevendo expressamente o caso dos Deputados «que forem nomeados membros do Governo» (artigo 157.° da Constituição). Secamente, mas sem margem para o arbítrio. Já vimos que, quanto às inelegibilidades — logo para o exercício- do mandato por aqueles que forem eleitos—, a Constituição as restringe às necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores (hipótese que se esgota com a eleição) e a isenção e independência do exercício dos respectivos cargos.

Por outro lado, no artigo 163.°, que se refere expressamente à perda do mandato, tem o cuidado de exemplificar com a menção de três causas da maior irrecusabilidade.

Mas não se fica por aí. Inclui o direito de acesso aos cargos públicos (artigo 50.°), logo o exercício deles, na categoria dos direitos, liberdades e garantias (artigo 17.° in fine). E protege estes direitos restringindo a respectiva restrição aos casos expressamente previstos na.Constituição e limitando as restrições ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Mais: veda às leis restritivas daqueles direitos «diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais».

Qual é o conteúdo essencial do direito em causa? Só pôde ser o máximo respeito por uma eleição directa e universal, expressão da vontade maioritária do próprio

povo. Dir-se-á: o povo o dá, o legislador, seu representante, o tira. Mas, como vimos, nem a previsão legal da cassação do mandato, nem a interpretação e aplicação da lei que a prevê podem ser arbitrárias, nem o resultado de uma interpretação extensiva: da Constituição e da lei pelo intérprete dela.

Escasseava assim à Comissão ôe Ética espaço para interpretar extensivamente a alínea a) do n.° 2 do artigo 21." da Lei n.° 24/95 e para se pronunciar sobre o circunstancialismo fáctico a partir elementos como alguns daqueles em que baseou a sua concreta posição.

Não pode assim aceitar-se o bem fundado de incompatibilidades nascidas «das situações mais diversas». Nem resultantes da sobreposição de juízos éticos sobre juízos constitucionais e legais, sendo que a própria Comissão de Ética admite, como vimos, que algumas das situações geradoras de situações de incompatibilidade nem sequer terão directamente a ver com os valores e as balizas constitucionais. Se assim for, há que sobrepor os valores da Constituição aos valores da lei. Já, noutras ocasiões, e por outros caminhos, se havia chegado à mesma conclusão.

Na opção pela tese de que só d relevante, para a interpretação da expressão «sociedades de capitais maioritariamente públicos», o que a esse respeito resultar da lei ou dos estatutos, não de meras, ocasionais e flutuantes situações de facto, a Mesa encontra-se, como vimos, bem acompanhada. Desde logo pela Constituição, que impõe interpretações restritivas. Depois pela soit disant jurisprudência da Procuradoria-Geral da República, entidade competente para, em primeira linha, fiscalizar as situações de ilicitude que entender que ocorrem. Também pela esmagadora maioria da doutrina especializada, com a talvez só excepção do Prof. Doutor Sousa Franco, se é que o é (ut parecer do Doutor Rui Chancerelle de Machete). Enfim pelo entendimento da 1.* Comissão, à qual compete «emitir parecer sobre [...] a perda do mandato». Há, é certo, o «parecer» em contrário da Comissão de Ética, que doutamente fundamentou a sua posição. Mas não é para a Mesa muito claro que estejamos em face de competências rigorosamente iguais. Compete, com efeito, à Comissão de Ética «verificar os casos de impedimento». E, «em caso de violação, instruir os respectivos processos». Não te.CA.da desaparecido a competência da Mesa para declarar a perda do mandato, nem a da 1." Comissão para emitir parecer prévio a essa declaração, parece razoável concluir que a competência da Comissão de Ética se situa antes desses actos, mesmo que não represente um minus em relação a eles.

A Mesa aflorou esta problemática nas questões prévias que deu por reproduzidas no início desta declaração.

Porque invoca a Mesa todo este sufrágio? Pois para realçar, admitindo sem conceder, que estejamos em face de uma questão duvidosa, ou mesmo de uma problemática interpretação da lei, as dúvidas só poderiam ser peia Mesa resolvidas a favor do Deputado (in dúbio pro legatus), ou seja, pela manutenção do seu mandato. Foi o povo que lho conferiu. A decisão de retirar-lho não pode ser tomada com base em dúvidas de interpretação da lei ou de valoração dos factos.

Resta à Mesa a consolação de que qualquer Deputado poderá transferir a solução final para o Plenário, recorrendo para ele. Se se entender que a Mesa erra, não seva,, em. qualquer caso, um erro irreparável. Poderá sempre repará--lo o universo dos representantes do povo, que é, como quem diz, o próprio.