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18 DE JANEIRO DE 1997

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Vale assim tanto o argumento de que, se o legislador não distinguiu foi porque não quis, já que não desconhecia casos em que a distinção foi feita, como o de que, se não distinguiu foi porque quis não distinguir, deixando que a expressão «maioritária ou exclusivamente públicos» fosse sujeita à interpretação que dela gramaticalmente decorre. Isto é: terá fugido a mencionar expressamente a participação indirecta, por considerar que só a sua menção expressa possibilitaria a consideração dela!

Nem se diga que, no caso, não existem razões válidas para distinguir! Quer no parecer da I." Comissão, quer nos pareceres de consagrados juristas que juntou como parte integrante do mesmo parecer, vem defendida a interpretação que também agora se prefere. E vem defendida em nome da segurança e da certeza a que eventuais interessados têm direito.

Pois supúnhamos uma participação indirecta em cascata. O Estado detém o controlo — não confundir com maioria do capital!— da sociedade A. Esta detém o controlo da sociedade B. Esta da sociedade C. É assim sucessivamente, sem que a imaginação imponha qualquer limite. Seria razoável impor a um administrador da sociedade terminal o conhecimento de que é o Estado o accionista maioritário ou em qualquer caso detentor do controlo da sociedade situada no ponto mais alto da cascata? A margem de dúvida cresceria com a altura desta!...

Daqui já se deduz que a Mesa não tem por significativa, no contexto da argumentação em apreço, a invocação da lei eleitoral espanhola, segundo a qual é tão relevante a participação indirecta como a directa. Ou o reforço desse argumento consistente no facto de o legislador português acolher em muitos casos o disposto na legislação estrangeira, nomeadamente o regime em vigor em Espanha.

É apenas mais um dos muitos casos de eliminação da distinção, igual a tantos outros recolhíveis da própria legislação portuguesa, que o autor da lei em apreço, por maioria de razão, não desconhecia. Recusando de passagem o pretenso seguidismo do legislador português '■— nomeadamente em relação ao espanhol! —, anota-se que é aqui igualmente válida a consideração segundo a qual, pressupondo-se no legislador nacional o conhecimento da solução espanhola (mesmo sem intuitos de tomá-la como paradigma!), se não quis ir por aí, ou seja, optar pela mesma solução, foi porque não quis, antes querendo à solução contrária!

Também não embaraçam a conclusão que a Mesa tem por melhor as considerações aduzidas no douto voto de vencido, a partir de declarações à imprensa do Sr. Deputado Álvaro Barreto. Terá este afirmado que «o arranque da nova máquina de papel da SOPORCEL implica um esforço financeiro de 63 milhões de contos, mas o início do projecto está dependente da atribuição de incentivos fiscais e à formação profissional por parte do Estado, através do ICEP, com quem a SOPORCEL já iniciou negociações em Junho».

Do que se trata — acrescenta — é de evitar situações que possam pôr em risco a isenção e independência dos Deputados no exercício do mandato, nomeadamente face ao Governo, cuja actividade lhes compete fiscalizar, e ao qual não devem, por isso, estar subordinados.

«Perante este quadro de interesses — prossegue — representados pelo Sr. Engenheiro Álvaro Barreto, e de negociações tão importantes [...] poderá ele, enquanto

Deputado, assumir as devidas isenção e independência na

apreciação que, nessa qualidade, lhe cabe fazer da

actividade do Governo?»

E remata: «pelo menos no seio da opinião pública, é

possível que se instale a dúvida». Até porque «é hoje

visível que o Governo afinal manda na SOPORCEL quase

como quer».

Objecta-se, com ressalva do maior respeito:

Ou há incompatibilidade, porque a caracterização dos

factos determina que exista à luz do direito aplicável, ou

não há.

E assim, ou bem que a alínea a) do n.° 2 do artigo 21.° da Lei n.° 24/95 permite concluir que o Estado domina a SOPORCEL, ou bem que não. Se sim, a incompatibilidade existe. Se não, impõe-se a conclusão oposta.

Segundo as teses que a Mesa tem por mais defensáveis, aquele dispositivo só contempla a participação directa, o que não é o caso, e só considera relevantes as situações definidas legal ou estatutariamente, não as meras situações de facto.

As novidades em apreço situam-se no mero plano dos factos. Logo são irrelevantes do ponto de vista da referida oposição. É nesta, e só nesta, que reside o fiel da balança. Para onde pender, pende a razão. E pendeu, no entender da Mesa — com ressalva de entendimento melhor —, para o lado da posição perfilhada pela 1." Comissão, ut supra.

O legislador fez derivar o risco de quebra de isenção e independência de determinadas situações objectivas. Mas não invadiu, nem podia, o terreno da subjectividade, da suspeição factual, de eventuais reacções da opinião pública!

A ilustre Comissão de Ética leva porventura o rigor das suas exigentes avaliações sobre a isenção e independência dos Deputados até proporções que invadem os domínios do excesso. Fá-lo por bem. Mas porventura com excesso idêntico ao que presidiu — no entender da Mesa — a muitos dos dispositivos da Lei n.° 24/95. A tal ponto que não será só a Constituição a impor que dela se façam leituras restritivas. Também o mais elementar sentido de razoabilidade e de justiça. O contrário equivaleria à sobreposição de um excesso a outro.

Em carta dirigida ao Sr. Deputado Álvaro Barreto, o Sr. Presidente da Comissão de Ética confirma esta suposição ao informar que o Sr. Deputado Paulo Portas, membro da Comissão de Ética, teria redigido a sua declaração de voto — que chegou a anunciar — «mais no sentido de uma análise ético-política do que uma ponderação ético-jurídica do problema».

Ética, pois, em ambos os casos. Política, sem dúvida. Jurídica não tanto!

Lembrou a Comissão de Ética no seu «parecer» que «o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo». Assim terá de ser. Mas não é menos certo que «os ditames da boa fé» são hoje — mais do que eram no tempo de que a máxima provém — elementos integradores da interpretação e aplicação das leis.

Fosse como fosse, haveria sempre de ser considerada excessiva a afirmação de que «o Governo manda na SOPORCEL quase como quer».

Isto depois de a própria Comissão de Ética ter considerado como adquirido que «a SOPORCEL é uma sociedade de direito privado»; que «o seu estatuto legal é distinto do das empresas públicas, e mesmo ào àas