O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

98

II SÉRIE -C —NÚMERO 8

1.* Comissão, sustentando uma vez mais a tese contrária, começa por alegar que a interpretação restritiva (só a participação directa seria relevante) é a que decorre da conclusão por ela tirada de que só é atendível a titularidade de capitais definida legal ou estatutariamente, não a meramente resultante de uma ocasional, indefinida e variável situação de facto.

Acrescenta que o preceito em causa «deve ser lido de modo restritivo, porquanto o exercício do mandato de Deputado só pode sofrer restrições não arbitrárias», e por «razões relevantes sob o ponto de vista da função e do Estatuto dos Deputados».

Realça ainda que «o estatuto legal das incompatibilidades dos Deputados constitui uma restrição aos direitos, liberdades e garantias constitucionais de livre acesso ao exercício de cargos, pelo que este deve limitar-se ao definido no quadro legal autorizado, sem margem para quaisquer interpretações extensivas ou sem um suporte legal preciso». Estaríamos no domínio da «proibição do excesso» (Gomes Canotilho).

Quanto à natureza da sociedade SOPORCEL, a 1." Comissão afirma que «nem por lei, nem pelo seu estatuto, está determinado que o seu capital social tenha de pertencer maioritariamente a entidades públicas». Este facto vem, como se disse, admitido por consenso.

É certo que, no momento considerado, a maioria do seu capital pertence à Caixa Geral de Depósitos, sociedade de capitais exclusivamente públicos. Mas a esta sociedade «não são aplicáveis as regras das empresas públicas». Como se diz no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 287/93, «no plano integral, o regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 298/ 92, de 31 de Dezembro, veio equiparar a Caixa Geral de Depósitos aos bancos no que respeita às actividades que está autorizada a exercer. Todo o circunstancialismo referido aponta deste modo para a sujeição da Caixa a um regime de direito privado ou, mais rigorosamente, para a aplicação à instituição de regras idênticas às que regem as empresas privadas do sector.»

Acrescenta a 1." Comissão, citando António Costa Santos e outros: «como se sabe, as sociedades de capitais públicos e as sociedades de economia mista são regidas pela lei comercial, a menos que o respectivo estatuto prescreva regras do regime das empresas públicas. Os seus órgãos são, assim, os das sociedades comerciais comuns, e não estão sujeitos, enquanto tais, a uma tutela administrativa específica por parte do Estado.»

Este facto também vem admitido por acordo.

O acordo parassocial de 10 de Dezembro de 1992 «não altera a natureza legal e estatutária da sociedade». Limita--se a estabelecer «uma conduta a que os sócios legalmente se vinculam entre si, nas relações internas».

Nada obriga a que, «por lei ou disposição estatutária, a SOPORCEL tenha de ter acções, seja em que montante for, cujo titular seja directamente o Estado ou outro ente público».

A Caixa Geral de Depósitos é assim accionista maioritária da SOPORCEL «por mera situação de facto».

Termos em que a 1Comissão conclui que o Sr. Deputado Álvaro Barreto «não violou, no caso em apreço, regra de incompatibilidade que determine a perda do seu mandato de'Deputado à Assembleia da República».

6 — Razões em que a Mesa da Assembleia da República funda a declaração que lhe comete o n.° 5 do artigo 18.° do Estatuto dos Deputados:

A Mesa encara com a maior naturalidade a circunstância de o «parecer» da Comissão de Etica e o parecer da 1.* Comissão concluírem em sentido contrário.

Dado que duas comissões são chamadas, uma pelo Estatuto dos Deputados, outra pelo Regimento, a pronunciar-se sobre a mesma matéria de facto e sobre a interpretação das mesmas normas jurídicas, nada mais natural do que uma e outra tenham chegado a conclusões, não apenas diversas, mas contrárias. E o resultado da isenção e independência com que ambas sobre o tema se pronunciaram. Esta independência é sem dúvida mais valiosa do que qualquer tentativa de «forçar» uma ficta homogeneidade.

E como é impossível à Mesa tentar sequer a conciliação dos contrários, resta-lhe pronunciar-se com igual isenção e independência sobre qual das conclusões tiradas lhe parece legal e justa à luz dos factos tidos por verificados e do direito que lhes é aplicável.

Antecipa-se desde já que a Mesa tem por justa e legal a conclusão a que a 1." Comissão aportou. As razões são basicamente as constantes do parecer desta Comissão, complementadas ou apenas reforçadas pelas que a seguir se aduzem.

Começa a Mesa por uma breve apreciação pelos principais novos argumentos expendidos pelo Sr. Presidente da Comissão de Ética no seu douto voto de vencido.

Que dizer, pois, do argumento aduzido a partir do Decreto-Lei n.° 26-A/96, de 27 de Março, o qual «veio definir como sociedades de capitais públicos aquelas em que o Estado ou outras entidades públicas, directa ou indirectamente, são os únicos proprietários da totalidade do respectivo capital»?

Alega a Comissão de Ética: é certo que o diploma se reporta «às chamadas 'sociedades de capitais exclusivamente públicos'». Mas, se assim é, «então este critério não poderá deixar de aplicar-se igualmente às chamadas 'sociedades de capitais maioritariamente públicos'».1 •

Nem sempre o que é válido para o mais (totalidade do capital) é válido para o menos (simples maioria do capital); assim sendo, por este critério, só a Caixa Geral de Depósitos é considerada uma sociedade de capitais exclusivamente públicos; mas a Caixa Geral de Depósitos não é o Estado; e a Mesa adere à tese de que a única participação relevante é a directa, não também a indirecta.

Como realça a própria Comissão de Ética, o referido critério definidor é válido «apenas para efeitos de fiscalização de contas», não sendo lícita a sua aplicação, por interpretação.extensiva, ao caso da incompatibilidade subjudice. A Constituição, como se sabe, proíbe este tipo de interpretação no domínio dos direitos fundamentais, como é o caso do exercício do mandato de Deputado.

■ E que dizer da invocação do princípio segundo o qual «onde o legislador não distingue, não pode o intérprete distinguir», certo sendo que, na redacção da alínea a) do n.° 2 do artigo 21.° da Lei n.° 24/95, o legislador não distinguiu entre participação directa e indirecta?

Trata-se de um princípio doutrinário, não de um «dogma» legal, inarredável. E já Manuel de Andrade —o maior jurista do século — ensinava aos seus alunos que era assim quando não houvesse razões válidas para distinguir.

Ora, é sabido que na legislação portuguesa há de tudo: casos de não distinção, como o do citado artigo, casos de menção exclusiva da participação directa e casos de menção expressa de participação directa e indirecta.