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18 DE JANEIRO DE 1997

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ao criar novas incompatibilidades, não deve fazê-lo com base em razões que não sejam igualmente graves.

Mais: quis que essas razões se baseassem em factos supervenientes, à data da eleição. É o que decorre da expressão «que venham a ser feridos», constante da alínea a) do n.° 1 do citado artigo 163.° da Constituição da República. Nesta medida, só podem ser objecto de apreciação, no juízo em causa, as condutas posteriores à eleição do Sr. Deputado Henrique Neto, o que reduz o objecto da mesma apreciação.

Contra isto não vale, como é evidente, a circunstância de a alínea a) do n.° 1 do artigo 8." do Estatuto dos Deputados em vão ter querido corrigir a Constituição, interpretando-a extensivamente, ao considerar que a referida expressão «venham a ser feridos» deve incluir «factos anteriores à eleição». A Mesa tem este acrescento por destituído de qualquer eficácia. Agora é o Regimento que invade o âmbito normativo da matriz das leis.

Resta ajuizar sobre a gravidade dos factos em que a Comissão de Ética funda a recomendação de que se declare a perda do mandato do referido Sr. Deputado. E fazê-lo, como decorre, do ângulo de uma interpretação restritiva das normas legais aplicáveis e de uma valoração exigente dos factos pretensamente violadores daquelas normas.

3.2 — Que factos preenchem, segundo a Comissão de Ética, a «situação de impedimento que afecta o Sr. Deputado Henrique José de Sousa Neto»?

O de o mesmo Sr. Deputado ter relações de participação no capital e na administração de sociedades que assinaram contratos, que se encontram em execução, ou que aguardam aprovação, tendo por co-contratante o IAPMEI — Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento, no âmbito do PEDIP.

O Sr. Deputado Henrique Neto terá participado na assinatura ou na proposição desses contratos. Estes ter-se--ão traduzido «no recebimento de apoios ou benefícios financeiros ou materiais para o exercício das actividades» daquelas sociedades.

Sendo o IAPMEI «uma pessoa colectiva de direito público», o comportamento do referido Sr. Deputado cairia sob a alçada do artigo 21.°, n.° 3, da Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto, segundo o qual é vedado aos Deputados, em regime de acumulação, «no exercício de actividades de comércio ou indústria, por si ou entidade em que detenham participação, celebrar contratos com o Estado e outras pessoas colectivas de direito público».

Ao proceder assim, aquele Sr. Deputado teria posto em causa o exercício independente e isento da «sua função de fiscalização em relação ao Governo e à Administração Pública em geral».

Ter-se-ia servido do seu cargo para obter vantagens especiais para si ou para as entidades a que se encontra ligado. Ter-se-ia, no exercício do seu mandato, «cruzado com dinheiros públicos». Estes fins da lei teriam sido, no mínimo, postos em causa pelo mencionado comportamento do Sr. Deputado Henrique Neto.

3.3 — Outro é o entendimento da 1." Comissão. No juízo desta, «não está verificada a situação de impedimento» prevista na alínea a) do n.° 3 do artigo 21.° do Estatuto dos Deputados, relativamente ao Sr. Deputado Henrique José de Sousa Neto.

Destacam-se da douta fundamentação, sem necessidade de repetir argumentos supra tomados na devida conta:

Os impedimentos e o registo de interesses são estrutural e funcionalmente autónomos entre si. Não é por isso consistente interpretar a alínea a) do n.° 3 do artigo 21."

do Estatuto dos Deputados, a partir da alínea c) do n.° 3 do artigo 26.° do Estatuto dos Deputados, integrada no registo de interesses. Se nesta alínea se manda inscrever no registo de interesses os «apoios ou benefícios financeiros ou materiais recebidos para o exercício das actividades» do Deputado, não pode concluir-se daí que os contratos que lhe são vedados pela alínea a) do n.° 3 do artigo 21.° do Estatuto dos Deputados são exactamente os que se traduzem «no recebimento de apoios ou benefícios financeiros ou materiais para o exercício das respectivas actividades»..

A referência do parecer da Comissão de Ética aos «fins e valores que a Lei n.° 24/95 pretendeu acautelan> é, «em boa parte, dissonante da ortodoxia constitucional». Esta «assenta na liberdade de exercício de quaisquer actividades privadas e na possibilidade de restrições baseadas na liberdade de escolha dos eleitores ou na isenção e independência do mandato», ut supra.

Por contrato deve entender-se aqui, não qualquer acordo de vontades, independentemente do seu objecto, mas só o acordo celebrado «no exercício de actividades de comércio ou indústria», isto é, através do qual «se prestam actividades de comércio e indústria entre Deputado e ente de direito público».

. Na linha do parecer da Comissão de Ética teríamos de concluir que contrato, para efeito da alínea c) do n.° 3 do artigo 21.° do Estatuto dos Deputados, será sempre, também, «qualquer acordo pelo qual o co-contratante recebe do Estado [ou de outra pessoa colectiva de direito público] apoios especificamente destinados à consecução de fins de interesse público, como tais definidos na lei».

Não pode considerar-se ter sido essa a intenção do legislador.

O parecer «inclui na categoria dos contratos vedados aos Deputados simples projectos ou intenções de contratar». O parecer da Comissão de Ética dispensou-se de examinar a questão de «delimitar com rigor o âmbito da aplicação temporal da Lei n.° 24/95».

Seria absurda «a discrepância de tratamento [admitida no parecer da Comissão de Ética] quanto aos apoios concedidos no âmbito do PEDIP e quanto aos dados pelo FSE».

3.4 — A Mesa não consegue eximir-se à relutância, que no exposto se desenha, de declarar a perda de um mandato de Deputado, legitimado pelo voto popular, no quadro de uma tão viva divergência técnico-jurídica sobre a natureza da relação estabelecida entre empresas de que o Deputado em causa é accionista e administrador e o PEDIP, bem como sobre a qualificação a atribuir ao próprio PEDIP. No quadro, por isso, de dois pareceres teoricamente inconciliáveis.

A Mesa teria de sempre honestamente admitir que são legítimas as dúvidas sobre as duas teses em confronto. E que, preferindo embora o entendimento da l." Comissão, no limite teria de declarar-se ela própria em posição dubitativa. Tanto bastaria, ainda neste caso, para sobrestar na declaração de incompatibilidade do Deputado em causa.

Até porque a Mesa teria sempre de considerar fora de causa as relações estabelecidas antes da eleição do mesmo Deputado, pela razão retroaduzida, bem como as relações de contacto preliminar, isto é, ainda não formalizadas, agora pelos motivos aduzidos no parecer da 1." Comissão.

Ficariam em causa apenas as relações contratuais firmadas após a eleição do Sr. Deputado Henrique Neto. E a Mesa não tem sequer por líquido que, neste período, tenha efectivamente ocorrido alguma!