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II SÉRIE - C — NÚMERO 8

A lei sobre as incompatibilidades relativas ao mandato dos Deputados não expressa, nem revela, «com clareza que o seu objectivo é apenas ò de garantir que, no exercício das suas funções, os Deputados sejam totalmente independentes do Governo para que possam assim exercer a sua função fiscalizadora sobre este de modo isento e eficaz». Bem diversamente, a lei «faz nascer incompatibilidades das situações mais diversas, algumas das quais [...] nem terão directamente a ver com as almejadas isenção, eficácia e sobretudo dignidade ética do exercício do mandato de Deputado».

Mas a verdade é que «mais do que às intenções do legislador, importará sempre atender ao texto da lei». Ora, em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.°, n.° 2, do Código Civil estabelece que «não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso».

«O dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo.» (Artigo 8.°, n.° 2, do Código Civil.)

«Configurando a lei como incompatível com o exercício do mandato de Deputado [...] a titularidade de órgão de sociedades de capitais maioritariamente públicos», tudo se há-de reconduzir, como se disse, à questão de saber se a SOPORCEL é ou não uma destas sociedades.

A Comissão de Ética —com um voto de vencido — entende que sim. Mas acha isso, como vimos, com base em dados de facto arrolados entre os controvertidos. O Sr. Deputado Álvaro Barreto refutou-os com outros dados, solicitando uma reapreciação dessa matéria à luz desses novos dados.

Entende ainda que sim, com base no facto — também controvertido — de «na estruturação social da SOPORCEL estar expressamente admitida a hipótese de, livremente, o seu capital maioritário passar a ser detido pelo próprio Estado Português». Daqui retira a conclusão de que o capital com que foram adquiridas as acções da Caixa Geral de Depósitos e do Banco do Fomento do Exterior no capital da PETROGAL «foi e é capital público».

Se a expressão «sociedades de capitais maioritariamente públicos», constante da alínea a) do n.° 2 do artigo 21.° do Estatuto dos Deputados, «abrangesse apenas as sociedades em que o Estado tem somente participação directa no respectivo capital [...] não teria sentido, nem seria necessária a novidade introduzida» naquele artigo pela Lei n.° 24/95. «Essa situação, afinal, já estava prevista no artigo 20.°, n.° 1, alínea p), do mesmo Estatuto [...] onde expressamente se preceituava já que os membros dos conselhos de gestão [...] das empresas de capitais públicos ou maioritariamente participadas pelo Estado [...] não podem exercer as respectivas funções enquanto exercerem o mandato de Deputado [...] configurando-se assim uma incompatibilidade entre ambas as funções.»

O legislador cometeria pois «uma redundância se, ho artigo 21.°, quisesse referir-se precisamente à mesma situação que já estava há muito prevista no artigo 20.°

Nesta perspectiva, só pode, pois, justificar-se a novidade introduzida na lei, se entendermos que o legislador pretendeu alargar o âmbito das incompatibilidades. Foi precisamente esse o sentido dominante e deter-" minante de toda a recente legislação sobre a transparência da vida política e dos políticos, como é sabido e notório.

Assim sendo, quando no artigo 21.°, n.° 2, alínea a), do Estatuto dos Deputados se mencionam as sociedades

de capitais maioritariamente públicos, terá, portanto, de considerar-se que, em primeiro lugar, se está a invocar a natureza desses próprios capitais, a sua origem ou a sua propriedade; e que, em segundo lugar, não se está a fazer

nenhuma distinção entre as participações directas e indirectas do Estado no capital das empresas: umas e outras estão pois englobadas na expressão usada na lei e cabem indiscutivelmente no seu teor literal.

É sabido que, onde o legislador não distingue, não pode o intérprete distinguir.»

É tão evidente que na nova redacção do artigo 21." o legislador quis englobar tanto as participações directas como as" indirectas do Estado que, «no citado artigo 20.°, o legislador, pretendendo distinguir, usou uma expressão legal suficientemente distintiva».

Recentemente, a Assembleia da República, «ao aprovar uma lei relativa ao âmbito da fiscalização financeira do Tribunal de Contas [...] determinou que ficam sujeitas à fiscalização sucessiva desse Tribunal as sociedades em que a parte pública detenha a maioria do capital social, mas apenas nos casos em que essa detenção for de forma directa». Quando pretende distinguir, o legislador fá-lo expressamente. Quando omite a distinção é porque não a quer fazer.

A Lei Eleitoral espanhola, aprovada pela Lei Orgânica n.° 5/85, de 19 de Junho, considera expressamente incompatível com o exercício do mandato de Deputado ou de Senador a acumulação com qualquer cargo em empresa com participação pública maioritária, directa ou indirecta. E o legislador português, «em muitos casos, acolheu até o disposto em legislação estrangeira sobre a matéria, nomeadamente o regime em vigor em Espanha».

Ele, legislador português, «terá pensado que as possibilidades reais [que não propriamente legais] de que o Governo [ou o Estado em geral] dispõe para determinar as opções fundamentais dos accionistas minoritários, que a ele estão ligados directamente, nas empresas em que nessas condições tenham participação social, seriam porventura susceptíveis de pôr em risco a isenção e a independência no exercício do mandato de Deputado por todos, quantos exercerem simultaneamente, e em acumulação, o cargo de membro de órgão social dessas empresas, máxime o cargo de seu presidente.

No caso da SOPORCEL, mesmo dando por adquinào que o Governo não tem poderes legais para interferir na sua gestão, e que se abstém até de dar qualquer indicação quanto à nomeação do presidente do respectivo conselho de administração, deixando-a ao livre arbítrio do conselho de administração da Caixa Geral de Depósitos, não nos devemos todavia abstrair do facto de que, exercendo, se quiser, os poderes de que dispõe quanto a esta instituição financeira, que tutela directamente e pertence ao Estado, o Governo, na realidade, terá sempre a possibilidade de impor as suas opções [...]

Logo, se o Governo disser, informal e não legalmente, ao conselho de administração da Caixa Geral de Depósitos, por si nomeado, que pretende escolher a pessoa que há--de.presidir à SOPORCEL [...] será que os menYbios daquele conselho se atreverão a transgredir essa indicação?. Se o fizessem, eram os seus próprios lugares que ficariam em risco.»

Com base nestas razões, a Comissão de Ética concluiu «não ser possível interpretar restritivamente a expressão legal 'sociedades de capitais maioritariamente públicos' [...] sendo assim incompatível com o exercício do mandato