0178 | II Série C - Número 016 | 31 de Agosto de 2002
a reformas susceptíveis de afectar os seus interesses particulares, mas que são imperiosas à luz do interesse geral.
Não é, assim, por acaso, que um dos aspectos da crise é o da própria "representação" social, política e mesmo mediática.
Tudo coexistindo e gerando insegurança, medo do futuro e medo da insuficiência de meios para o encarar.
Existe ainda a percepção da ocorrência de situações importantes de corrupção que, embora crescentemente referida em publicações nacionais e internacionais e denunciada por responsáveis - políticos, religiosos e sociais - não parece eficazmente combatida, sendo necessário criar os mecanismos práticos e efectivos para tal combate, a começar, desde logo, pela clareza na caracterização das situações, das decisões correspondentes e seu controlo.
Em Portugal existe, aliás, a sensação generalizada dum mal estar derivado da consciência de que aumenta a corrupção e o incumprimento generalizado da lei em relação à criminalidade económica, à fuga aos impostos, ao mercado de trabalho, passando pelas infracções em matéria de circulação rodoviária.
A problemática do Estado e a reposição do seu poder - que não se confunde com autoritarismo - ganham assim novos contornos.
É que, nas relações entre o Estado e a sociedade civil, prevalece uma dualidade que importa contrariar e corrigir: muitos consideram que o Estado é, por um lado, a fonte de todos os males e, por outro, deve ser a solução de todos os problemas. Este vício de forma/equívoco aprofunda-se porque a classe política não o contradita ao nível do discurso e da prática política, condicionada muitas vezes por interesses instalados ou por visões imediatistas do exercício do poder.
A primeira condição para romper esta situação passa pela clarificação das funções que inequivocamente cabem ao Estado e das que cabem ao sector privado e à sociedade civil. E, no que inequivocamente couber ao Estado, fazer bem, em tempo oportuno, com sentido universal, objectividade e controlabilidade.
Metodologicamente, a separação convida a repensar a organização da sociedade a partir da sociedade civil e não a partir do Estado. Só assim se aprofunda, ao nível das instituições públicas e privadas, o princípio da responsabilidade, princípio este frequentemente subordinado ou condicionado a outros critérios e sem o qual não pode haver sociedades dinâmicas.
É, aliás, duma nova cultura, cívica e de responsabilidade, que necessitamos.
Impõe-se o prosseguimento de uma verdadeira reforma do Estado que permita uma maior eficiência na afectação e gestão dos recursos públicos e a gradual supressão dos constrangimentos que o aparelho do Estado ainda coloca ao eficaz funcionamento da actividade económica.
É urgente repensar as instituições da democracia representativa, não apenas pela interligação necessária com as instituições da Europa, mas essencialmente para uma aproximação entre os cidadãos e os seus eleitos, sem a qual a participação é inexistente.
Impõe-se o termo da confusão que por vezes se estabelece entre partidos e órgãos de soberania e entre Governo e Administração Pública.
Deve caminhar-se para a descentralização efectiva do poder político e administrativo, devendo os organismos e administrações regionais e locais ser dotados dos meios necessários ao exercício das suas responsabilidades e competências.
É comum afirmar-se o afastamento que muitos cidadãos têm da política e a pouca consideração e estima que atribuem aos políticos, o que é grave para o sistema democrático. Parece, assim, que a classe política - parlamentares e governantes, designadamente - terão de reconquistar a consideração, a confiança e a estima dos portugueses, havendo que reaproximar os eleitos e os governantes das preocupações dos cidadãos e dos problemas nacionais.
O CES, na linha do que vem afirmando do antecedente, não pode deixar de chamar a atenção para o facto de ocorrer em Portugal uma verdadeira crise da justiça, com efeitos perversos ao nível da sociedade, traduzindo-se tanto em problemas de carácter geral como, particularmente, no que se refere à adequada disciplina dos actos e das relações jurídico-económicas.
A justiça tem de sofrer modificações profundas, tendo de passar a assegurar-se, também, a eficácia e oportunidade das decisões e criar-se as condições para que seja destruída a percepção, que existe em muitos, de que se tem em Portugal uma justiça a diferentes velocidades ou mesmo de classe. Se se falhar na justiça, a democracia estará certamente em causa.
O que se passa com as falências, em que com alguma propriedade se pode afirmar que todos os interessados legítimos perdem tudo, é totalmente inaceitável e injustificável. Têm os responsáveis portugueses conhecimento de que em vários países comunitários medeiam dois a quatro meses entre a propositura de uma acção e a decisão final? E que, entretanto, continua a empresa a funcionar? Serão nesses países pior salvaguardados os interesses dos credores, Estado, accionistas e trabalhadores? Não se crê.
Será credível um sistema que durante dezenas de anos não qualificou nenhuma falência como fraudulenta?
O CES propõe, pois, que com urgência seja revista a Lei das Falências.
Terá que haver um esforço, imediato e sustentado, a começar ao nível das faculdades, na melhoria da formação técnico-económica dos juristas, de modo a que questões, como as do ambiente, do consumo, da criminalidade económica, da fiscalidade, da concorrência, da informática e da sociedade da informação, possam ser enfrentadas com maior e melhor preparação que possa contribuir para a criação de tribunais especializados nessas áreas.
O CES entende ser urgente o alargamento e difusão dos meios alternativos de resolução de litígios a todo o país, nomeadamente, os centros de arbitragem, serviços de mediação e Julgados de Paz e mecanismos de conciliação.
A par de outros, a Administração Pública tornou-se, muitas vezes, um dos factores limitadores dos avanços económicos e sociais. É, por isso, necessário aumentar substancialmente a produtividade dos serviços e limitar o seu peso na afectação dos recursos globalmente disponíveis, sem prejuízo de se entender que o ónus das modificações a introduzir não pode recair desproporcionadamente sobre os trabalhadores.
A insuficiente qualidade da Administração Pública portuguesa, em termos globais, não pode ser justificada nem pelo número de trabalhadores, nem pelo volume da despesa pública, nem pelo nível relativo das qualificações e salarial, compreendendo-se mal, em muitos casos, que Portugal seja um dos países da União com piores serviços públicos na educação e na justiça, bem como os problemas de eficiência que se põem em outras áreas