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II SÉRIE-C — NÚMERO 16

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hospitais públicos — portanto, valem o que valem, não têm uma mancha universal —, o que se verifica é que

há jovens mães ciganas que frequentam a saúde materno-infantil e que o seu comportamento, face à fertilidade,

se situa nas três crianças por mulher em idade fértil, o que é uma mudança radical e absoluta em muito poucos

anos. O que significa que, se a intervenção é necessário… eu diria que ela foi obtida através do rendimento

social de inserção, não é verdade? Portanto, trata-se de aplicar a mesma metodologia de intervenção integrada

relativamente a todas as outras áreas. Não é preciso inovar, nem inventar, nem descobrir nada em particular”.

 Daniel Seabra Lopes, Professor do ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão)

Daniel Seabra Lopes inicia a sua abordagem com uma referência à falta de reciprocidade do trabalho de

campo e académico que realizou junto de uma comunidade cigana, uma vez que os resultados do seu trabalho

não iam ser apreendidos pela comunidade observada, e refere “Isto corresponde também a uma tendência, é

que o olhar sobre os ciganos é muito o olhar dos não-ciganos, sem que haja uma grande possibilidade de

conhecer a sua perspetiva, inclusivamente a sua perspetiva sobre os não-ciganos, como falava aqui a Rosário,

que é algo que existe — eles têm as suas próprias categorias —, só que não está plasmado, digamos, numa

forma escrita, num livro ou algo assim”.

Habitação

O Professor do ISEG refere, de seguida, a segregação espacial, onde inclui os bairros sociais e a segregação,

ainda que indireta, que acontece por via da localização dos bairros e dos serviços e equipamentos que os

servem. “Obviamente que há ciganos que estão a viver em condições muito precárias, em barracas, em tendas,

etc., mas, mesmo aqueles que tiveram acesso a habitação social, e foram muitos, acho que aqui também

continua a vigorar o princípio da própria ideia de habitação social, do bairro social, que fica em partes muito

específicas da cidade, que é servido por um conjunto de instituições também muito específicas, escolas, mas

também instituições de apoio social”.

Daniel Seabra Lopes introduz uma perspetiva que é por si aliada desta segregação, que diz respeito ao

controlo da própria comunidade sobre si própria, e refere: “Acho que isto acaba por estar na base de muitas

estratégias defensivas da parte da comunidade e também complica muito o acesso a outras oportunidades.

Acho que qualquer pessoa que tenha estado com os ciganos tem uma perceção muito clara de que, para os

ciganos, não é bom estarem a viver ao pé de tantos outros ciganos, porque isto é muito opressivo. Há um

policiamento permanente em torno das questões das identidades. Já aqui foi falada a questão do policiamento

de género, a movimentação das mulheres é obviamente objeto de um controlo muito apertado, mas também

devo dizer que há alguma movimentação masculina — que é a mais livre, não está isso aqui em causa — que

também pode ser controlada”.

Continua, dizendo: “Uma das coisas que eu percebi no meu trabalho de campo foi que havia ciganos que,

por exemplo, estavam a fazer biscates na construção civil ou a trabalhar por conta de outrem - e eu, por acaso,

vi-os - que saiam da carrinha com os outros trabalhadores a quilómetros de distância do bairro onde queriam

chegar para não serem vistos a sair de uma carrinha onde se perceberia que estavam a trabalhar «para os

senhores», digamos assim. Acho que havia aqui muito esta ideia de que o cigano sabe desenvencilhar-se, sabe

fazer negócio, mas não se sabe adaptar muito bem. Claro que isto é uma ideia que pode ser rebatida ou que a

própria comunidade pode reformular, mas é um exemplo de um certo controlo e de um certo cuidado que os

próprios elementos masculinos tinham para que a sua ‘ciganidade’ não ficasse muito comprometida”.

Reforça ainda a ideia, “Portanto, esta ideia de um policiamento que a própria comunidade exerce sobre si

própria, que é opressivo e que é sentido. Pelo menos, foi essa a perceção que eu tive e que é sentido como

opressivo. Ora bem, quando temos medidas de realojamento que são muito concentracionárias — e há muitos

exemplos de edifícios que estão praticamente só ocupados por famílias ciganas, mas mesmo que não fosse

apenas isso… —, em boa parte dos casos, os bairros estão isolados do resto da cidade. Eu tenho um pouco

essa perceção, conhecendo mesmo a história de alguns bairros de realojamento”.

Daniel Seabra Lopes conclui que, do que necessitamos é de apoio à habitação, que pode ser feito fora de

bairros sociais construídos especificamente para este fim, e diz “Sei que pode ser um pouco utópico pensar

assim, mas nós, provavelmente, não precisamos de bairros sociais. Precisamos, obviamente, de apoiar pessoas

no acesso à habitação, mas esse acesso poderia ser feito no mercado imobiliário normal — naturalmente, com

apoio das entidades —, contribuindo, assim, para uma certa disseminação destas pessoas mais desfavorecidas

um pouco por toda a cidade, falando aqui no contexto urbano”.