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26 DE JULHO DE 2019

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voz política — pessoas com consciência da sua condição de subalternos, de fragilizados, pessoas que careciam

de ter poder —, nós podíamos fazê-lo em mais tempo, porque é evidente que temos de ter consciência de que

para alfabetizar adultos é preciso também acolher as crianças. O problema é que nos centros de formação

acolhem-se as mulheres, acolhem-se os homens e esquecem-se as crianças. Mas atrás das mulheres, há

crianças e obrigações, e, as crianças, para as mulheres estarem a frequentar cursos, têm de estar nalgum lado.

Não há acolhimento para a família.

“Eu ainda sou do tempo em que algumas coisas se fizeram nesse sentido, sobretudo no ensino recorrente,

que tinha ainda bebido desta educação popular e da alfabetização, havendo salas em que as mulheres ciganas

tinham alfabetização e salas contíguas em que outras tomavam conta dos filhos umas das outras, enquanto as

primeiras estavam a ser alfabetizadas. Tinham a possibilidade de lá ter os filhos, arranjavam uma maneira

cooperativa de se revezarem, ou seja, de se emanciparem nessa gestão. Agora, já não há isso, isso já foi há

uns anos, há umas décadas, até. Mas eu, se calhar, voltava a pensar nisto. Parece-me que é um déjà vu, vejo

o filme a andar para trás, e fico preocupada”.

A educadora de Infância fala-nos da participação comunitária e do ensino à distância e doméstico, referindo,

“quando eu estava na equipa dos TEIP (Territórios Educativos de Intervenção Prioritária), as salas tinham

paredes de vidro, era aquilo que eu fazia nos mercados, à luz de todos e todos podiam participar, e, ao mesmo

tempo que viam acontecer, questionavam e nós explicávamos porque é que as coisas aconteciam, não estavam

fechadas. É assim que se faz a participação comunitária, à luz de todos, no meio da rua, para toda a gente poder

ver como se faz, porque não temos nada a esconder, e, assim, aprendem o porquê das coisas”.

“(…) Há nove anos, falei sobre isso — do ensino à distância ou do ensino doméstico. Na altura, eu também

estava na DGIDC (Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular), estava na escola móvel e com a

base de dados das crianças itinerantes. Por acaso, nessa base de dados não havia nem uma cigana, era tudo

só gente feirante — que não era cigana — ou gente circense. Portanto, na escola móvel não existiam ciganos.

Porquê, fiquei a pensar. Por causa do sistema de internamento que havia uma vez por trimestre. As crianças

iam todas, durante uma semana, em sistema de internamento, e isso era impensável nas comunidades ciganas.

Mas acho que isso foi mudando, mas não sei como é que a escola móvel está neste momento, estou

desatualizada, portanto só digo aquilo que conheço. Mas, o ensino doméstico estava a florescer, porquê? Por

causa do bullying. Na altura, a escola móvel também apanhou alguns jovens do ensino doméstico, aconteceu

na zona de Aveiro. Não eram ciganos”.

Mirna Montenegro aborda também o tema da escolarização das meninas ciganas, revelando as dificuldades

sentidas há uma década: “Naquela altura, (…) eu ajudei num tipo de ensino doméstico, que não era bem ensino

doméstico, enfim, era assim uma coisa… Com a ajuda da Escola de Torras Vedras e da Escola Padre Melícias,

eu e uma amiga, a Ana Cláudio, tentamos fazer com que aquelas escolas recebessem, três vezes por semana,

um conjunto de meninas — quatro ou cinco meninas de uma comunidade — para prosseguirem os seus estudos,

porque a família não queria. As hipóteses eram simples, ou a família as retirava da escola, ou conseguíamos

concretizar esta ideia. Ainda não havia escolaridade obrigatória. A solução foi essa, as crianças iam três vezes

por semana à escola ter aulas com um professor, ou dois, ou três, de cada área disciplinar, depois iam para

casa fazer os trabalhos, e voltavam na semana seguinte. Não sei em que estado é que isso ficou, mas nós

recebemos cartas, fui lá várias vezes reunir com os professores para tentar que estas meninas, pelo menos,

tivessem uma escolaridade equivalente ao 9.º ano, porque depois havia um exame. Tinham aulas particulares,

como as perceptoras, antigamente chamavam-se assim, e depois, no fim, auto propunham-se a exame e

terminavam o 9.º ano. O objetivo era esse”.

Contudo, apesar desta referência à educação específica para raparigas, reconhece que “há um reverso da

medalha no ensino doméstico e no ensino à distância. Por um lado, se não houver outra hipótese naquela região,

naquela comunidade, para poder alfabetizar ou dar instrumentos mais poderosos para as crianças e, sobretudo,

para as mulheres irem à escola, pode haver o inconveniente da ostracização, portanto, de ainda se fecharem

mais sobre si próprios, não haver aquilo que a escola, em princípio, deveria dar, que seria a socialização entre

pares, conhecer outras realidades, e por aí fora. No guião que o Ministério da Educação lançou foi feita essa

advertência, esse alerta: as coisas podem ser implementadas com a condição de que sejam muito bem avaliados

os prós e os contras, para não favorecer ainda mais a discriminação e a ostracização destas famílias. Ou seja,

se para os ricos o ensino doméstico é aceite socialmente, está tudo muito bem, porque é que nos pobres não