O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

II SÉRIE-C — NÚMERO 16

38

estrategicamente nestas dimensões: “Nomeadamente, no Alentejo, em Moura, as famílias, para não perderem

o rendimento mínimo, incentivavam o casamento dos seus filhos aos 14 e aos 15 anos, rapaz ou rapariga, para

estes poderem continuar a ir à escola sem serem malfalados, isto, pessoas da Igreja Evangélica. (…) Naquela

altura, estava na moda esta forma de lidar com a situação de não perderem o rendimento mínimo por faltarem

à escola. Perante o problema que surgiu em 2009 da escolaridade obrigatória — as entrevistas que fiz foram

em junho de 2010 ou 2011 — foi precisamente esta a estratégia que adotaram para poderem andar na escola

até aos 18 anos, casavam-se mais cedo e iam, marido e mulher, para a escola. Os professores lidavam com

este problema com alguma dificuldade, porque, em turmas do 5.º e do 6.º ano, tinham crianças com vida conjugal

e crianças sem vida conjugal.

Religião

A educadora de infância traz para a audição o aspeto religioso e a influência da religião evangélica no seio

das comunidades ciganas, dando como exemplo a violência doméstica, “Por aquilo que me foi possível observar

e constatar nos acampamentos onde fui — e eu trabalhava na animação de rua —, a violência acontecia mais

nas famílias toxicodependentes, seja por droga, seja por álcool. Aí, temos, para debater, um problema de fundo

sobre o impacto da Igreja Evangélicas nas famílias. Em relação às famílias que frequentavam a Igreja

Evangélica, isso não era assim, pelo menos não era tão dramático. No entanto, havia outras coisas que a Igreja

trazia. Por um lado, era uma estratégia das comunidades ciganas para se sentirem integradas, aciganando as

regras da sociedade maioritária, para «disciplinar» as suas comunidades e, depois, há o reverso da medalha,

que é a questão do poder que isso tem sobre as famílias, do novo catequismo (…)“

Refere ainda, integrando a dimensão da relação geracional dentro das comunidades ciganas “Já me lembro

do que queria dizer há pouco, tem a ver com o problema das gerações e da adolescência. Já nessa altura, eu

levantava essa questão de não haver adolescência na comunidade cigana. Era-se criança e era-se adulto, não

havia adolescência. Neste momento, os jovens sabem mais do que os antigos, é um problema de geração com

o qual eles não estão habituados a viver. Isso pode desestruturá-los internamente, de tal forma que depois não

sabem lidar com isto. Há 10 anos eu levantava essa questão, porque os jovens que estavam a tirar os cursos

profissionais, que estavam nos cursos alternativos, escolhiam sempre áreas em que se sentiam mais

competentes do que os seus pais, nomeadamente as informáticas, as eletricidades, as mecânicas, para

poderem singrar no trabalho de outra forma. Depois, isso alterava algumas relações familiares de poder,

permitia-lhes contestar o poder patriarcal lá em casa. Isso faz turbulência, internamente. Os adolescentes e as

crianças - porque agora vê-se aparecer a adolescência que antes não havia -, devido ao facto de frequentarem

a escolaridade obrigatória durante mais tempo… Portanto, a adolescência está a brotar, é uma realidade nova

com que as comunidades ciganas não estão habituadas a lidar. Daí, talvez, a Igreja Evangélica também entre,

para os «domesticar»“.

Participação política

Outro tema abordado pela Mirna Montenegro foi a participação política, fazendo uma análise crítica ao

associativismo cigano e à sua organização, dizendo “Em relação à participação política, já na altura falei, nesse

relatório, da importância de favorecer a criação de associações de pessoas ciganas de preferência mistas, e

não familiares — porque há associações ciganas que são criadas por famílias. Tem que haver uma maneira de

não tornar patriarcal uma associação cigana, tem que se ter cuidado com esse perigo, e favorecer a criação de

associações ciganas mistas, de homens e mulheres, que, entretanto, já se criaram, felizmente, em 10 anos. Por

outro lado, os partidos políticos deviam acolher nas suas listas pessoas ciganas e dar-lhes voz para não serem

só meros consultores. Na altura, também se falou nisso e eu não sei até que ponto é que foi tido em conta. Os

ativistas ciganos fazem parte de uma elite e, como diz a Olga, «candeia que vai à frente alumia duas vezes».

Não sei se se está a utilizar convenientemente esta candeia que pode alumiar os jovens e as novas gerações a

debaterem-se com conflitos geracionais com os quais não estão habituados a lidar”.

Educação

Mirna Montenegro falou também do analfabetismo entre as comunidades ciganas e da necessidade de

adaptação do modelo de ensino ao contexto social das pessoas ciganas. “Em relação à educação, que é a área

em que me sinto mais à vontade, nomeadamente no que se refere ao analfabetismo (…) faz-me confusão que

não se tenha apostado na educação popular à moda de Paulo Freire, que tenham deixado isso de lado. Se

Paulo Freire conseguiu alfabetizar, em três meses, comunidades na Guiné e consciencializar pessoas a ter uma