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26 DE JULHO DE 2019

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afrodescendente e cigana, obviamente, mas não era essa a categoria que estava aqui em discussão – em o

resolver. Isso é absolutamente fundamental”.

“Há estratégias que vão desde o meramente simbólico, como os dias especiais disto ou daquilo, como mudar

o discurso e o guião dos dias nacionais de celebração disto e daquilo, etc., até àquelas que são efetivamente

políticas, isto é, os partidos tomarem para si a responsabilidade de pensar políticas de ação afirmativa e políticas

de combate ao racismo distinção das politicas de migração e de racismo, e tudo aquilo que referi aqui, até

agora”.

Miguel Vale de Almeida termina a sua intervenção com uma reflexão no domínio da cultura dominante e das

representações deste tema em Portugal, cruzando a herança da ditadura no pensamento que temos sobre o

racismo e a realidade atual a que chama backlash do período das novas direitas na Europa.

“Aquilo que foi o discurso de uma experiência portuguesa única, que é a experiência do colonialismo moderno

e efetivo, isto é, da ocupação de territórios coloniais, do uso de trabalho forçado, da exploração de mão-de-obra,

de matérias-primas, etc., ter sido feita em situação de ditadura, que foi um caso único, e, ao ter sido feita em

situação de ditadura, ter sido capaz de criar um discurso hegemónico a que chamamos luso-tropicalismo, e que

ficou completamente inserido nas mentalidades portuguesas até hoje, e, a negação disso levou a uma espécie

de vazio que a democracia nunca soube substituir por outra coisa, justamente pela imaginação de uma

comunidade verdadeiramente democrática, sobretudo no plano étnico-racial (…) Então, ficámos com um vazio

completo. O luso-tropicalismo subsiste e, depois, quando chegamos à fase das reivindicações em torno do

racismo, como nos últimos anos se tornaram bastante mais fortes, elas estão a apanhar com o backlash do

período das novas direitas, dos novos reacionarismos e das acusações de correção política, entre outros.

Portanto, estamos num momento particularmente delicado, em que precisamos de contra-atacar essas formas

de backlash e de reação e, através de políticas concretas e, sobretudo, de afirmações concretas dessas

políticas, “reimaginar” que comunidade portuguesa é que nós queremos, e que essa comunidade deve ser,

necessariamente, uma que reconhece a existência do racismo e que está apostada em ultrapassá-lo”.

No final da audição, Miguel Vale de Almeida deixa a sua dúvida sobre a criminalização do racismo: “Por

princípio, e mesmo em relação a outras categoriais de discriminação, como quando se debateu a criminalização,

ou não, da homofobia e quando, no próprio Brasil, essa questão foi discutida, recentemente, tenho dúvidas de

fundo, de base, sobre a bondade da ideia e sobre o seu efeito para aquilo que desejamos. Possivelmente, serão

contraditórios os efeitos com aquilo que nós desejamos”.

“Portanto, reservar-me-ia, em termos de opinião, para um debate maior, mas com uma suspeita fundamental

em relação a processos de criminalização dos comportamentos e dos discursos, dado que é muito difícil

criminalizar aquilo que é verdadeiramente problemático, que são as questões estruturais e institucionais. Mas

creio que isso precisa de debate, portanto é a única coisa em que me isolaria, preventivamente”.

 Marta Araújo, Investigadora do CES (Centro de Estudos Sociais) da Universidade de Coimbra

Marta Araújo centra a sua intervenção num estudo que coordenou entre 2008 e 2012, financiado pela FCT

(Fundação para a Ciência e a Tecnologia), com uma equipa multidisciplinar, que teve inúmeras publicações.

Desde 2012 que pesquisa sobre o tema. “Vou falar sobre a História em relação, sobretudo, às populações

afrodescendentes. Quero já deixar uma menção: quando fizemos este recorte em termos de pesquisa, a

comunidade cigana não foi alvo de ensino, na História. Aparecem menções no ensino primário, mas, quanto aos

manuais, por exemplo, do 3.º ciclo — que é quando a disciplina é autónoma e é mais desenvolvida —, não há

referências à população cigana portuguesa, portanto o recorte já vem daí”.

Refere que “O trabalho incidiu não apenas sobre os manuais de História — que eram os manuais de História

mais vendidos em Portugal, portanto não são particularmente problemáticos, são os que mais circulam —, além

disso fizemos também entrevistas e grupos de discussão, com uma ampla esfera de atores, na sociedade

portuguesa. Foram analisados debates internacionais sobre o ensino do colonialismo e também as iniciativas

públicas em Portugal, relativamente à questão da interculturalidade e do ensino da História”.

Avaliação dos manuais

Marta Araújo refere que as orientações curriculares e a certificação das entidades avaliadoras dos manuais

escolares são da responsabilidade do Ministério da Educação. “Gostava de salientar a importância dos manuais,

por um lado, porque são verdades sancionadas pelo Estado, na medida em que seguem as diretrizes

curriculares que são emitidas pelo Ministério da Educação, seguem a legislação em vigor, que determina a sua

avaliação e certificação (…) É de dizer que, quando fizemos o projeto, o Ministério da Educação não considerava