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II SÉRIE-C — NÚMERO 16

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têm nas instituições, da capacidade das instituições, realmente, darem resposta a estes problemas. Só que,

claro, como é que eu vou, por exemplo, fazer queixa por viver num contexto segregado? Por viver no Bairro do

Pendão ou por viver na Quinta do Mocho? Isto é segregação étnico-racial!”

Integrando a questão da discriminação estrutural na sua intervenção, refere: “Esse é um aspeto importante,

conseguirmos não só ter políticas que dão conta desta dimensão mais intencional e mais interpessoal, em que

consigo reconhecer imediatamente uma situação em que, intencionalmente, há o desejo de discriminar, mas,

também, ter políticas que conseguem dar conta daquilo a que nós podemos chamar, e a que muitos têm

chamado «racismo estrutural institucional». Nós fizemos isso muito bem para o combate às desigualdades de

género. Não ocorre a ninguém pensar que as desigualdades que existem entre mulheres e homens resultam da

intencionalidade de homens muito maus querem discriminar mulheres. Uma parte, claro que é, mas não é só.

Nós precisamos de introduzir o mesmo tipo de políticas que conseguimos para as questões de género, nas

questões do combate ao racismo. É um reconhecimento de que o racismo não é só individual, ele é estrutural e

interfere no funcionamento das nossas instituições”.

Educação como fator de discriminação

Cristina Roldão refere a organização da rede escolar como um fator de discriminação, não intencional, mas,

que se prende com a própria organização territorial dos bairros de realojamento que levam a uma segregação

indireta das crianças.

Diz Cristina Roldão, “Por outro lado, e falando, por exemplo, das questões da escola, que são aquelas onde

realmente tenho mais trabalho, sabemos que existe — só falando da Área Metropolitana de Lisboa — processos

fortes de segregação racial. A população negra vive na periferia, em bairros de realojamento. A política do PER

(Programa Especial de Realojamento) teve um impacto muito grande nisto (…). A política do PER tem um

profundo impacto na rede escolar. Há escolas que vão surgir para servir especialmente estes territórios. As

famílias brancas de classe média vão retirar os seus filhos desses contextos, não vão ficar lá e, portanto, ainda

mais guetizadas ficam estas escolas. Os professores com maior experiência não vão procurar tanto estas

escolas e cria-se aqui um efeito em cadeia de segregação e de exclusão, que é muito difícil podermos achar

que com um registo de queixas combatemos algo deste género”.

Outro aspeto do sistema de ensino que a investigadora considera ser um fator de exclusão, são os cursos

profissionais, dizendo que, “Por outro lado, também em 2004, começou uma política de incentivo aos cursos

profissionais e de alargamento das vias profissionalizantes ou não regulares no sistema educativo. Elas já

existiam nas escolas privadas, e algumas vias, também nas escolas públicas, mas a partir de 2004, realmente,

dá-se um alargamento. Dos poucos dados que temos — claro, não temos dados sobre a pertença étnico-racial

—, aquilo que sabemos é que quer estudantes negros, quer estudantes ciganos estão a ser fortemente

encaminhados para essas áreas. É claro que existem casos em que psicólogos e professores com pensamentos

discriminatórios encaminham estes alunos para essas vias, mas, é muito mais complexo do que isso. As escolas

que servem estes contextos, que já são segregados de si, fazem uma aposta muito grande nestas vias. Há

escolas, que quase não têm vias regulares que dão acesso ao ensino superior. Portanto, todo o horizonte de

expetativas e a possibilidade de estas crianças frequentarem a escola é por estas vias não regulares. Claro que

existe gente muito bem-intencionada nestas vias, a fazer projetos interessantes, a querer efetivamente

transformar a educação, mas nós sabemos que ela ainda é, infelizmente, uma educação de segunda”.

A oradora acrescenta dados: “Por exemplo, de acordo com dados de 2013/2014, 80% dos alunos de

nacionalidade dos PALOP que chegaram ao ensino secundário — ou seja, quase a sua totalidade — estavam

em vias profissionais, e dos 20% que foram para as vias regulares, metade reprovou ao longo do ensino

secundário. Portanto, estamos a ver as dificuldades que temos a este nível.

Num estudo em que estive envolvida — aí já com dados que não eram de nacionalidade, depois podemos

discutir estas questões metodológicas —, aquilo que vimos foi que, entre os estudantes afrodescendentes em

idade esperada de ingresso no ensino superior, 16% tinham entrado, enquanto para os de origem portuguesa

era o dobro”.

Quanto à escola democrática e à interculturalidade enquanto conteúdo da Educação para a Cidadania,

Cristina Roldão, refere, “Precisamos de pensar o que é a educação intercultural em Portugal, se ela é um neo-

luso-tropicalismo. Recentemente, numa escola de Matosinhos, as crianças mascararam-se, supostamente, de

africanos e o argumento era: «esta é uma oportunidade para as crianças terem contacto com outras culturas».

Esta é uma conceção de interculturalidade que precisa, urgentemente, de mudar (…). Este caso, por acaso,