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II SÉRIE-C — NÚMERO 16

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problemáticas as narrativas que encontrámos e, portanto, há aqui um problema que gostava de trazer, sobre a

questão da avaliação dos manuais. São o recurso mais usado no contexto português em sala de aula, tem uma

importância bastante forte e vem representar o conhecimento legítimo pelo Estado e que é avaliado em termos

de exames”.

Conteúdos

Quanto aos conteúdos, diz a Investigadora, “Os grandes resultados, relativamente aos manuais em

circulação até 2014, são: a ideia do continente africano como um continente sem história até à chegada dos

europeus; a despolitização das descobertas e, sim, os manuais continuam a usar a palavra «descobertas» e há

uma abordagem “despolitizadora” do colonialismo, que foi reforçada pelas metas curriculares de 2013, que são

as novas metas curriculares; a visão do racismo como um preconceito daquela altura e que teria, eventualmente,

desaparecido, e, portanto, nunca é explicado como um sistema de opressão e dominação; o apagamento e/ou

a trivialização da resistência negra em relação ao colonialismo português — não há nenhum momento em que

seja elencado qualquer resistência da população escravizada; quanto aos movimentos nacionais de libertação

nacional, são reduzidos, geralmente, a movimentos relativamente violentos, sem uma agenda política concreta,

ao contrário do que se fez, por exemplo, em meados dos anos 70; os limites de uma abordagem positivista (…)

O que temos visto é, além de terem piorado as narrativas durante a década de 2000 a 2010 (…), por exemplo,

o mesmo manual e os mesmos autores, em 2003, falavam que «Foram levados, à força, homens e mulheres

para serem escravizados no continente africano» e em 2008, o «foram levados à força» desapareceu”.

Ainda no que se refere à análise dos conteúdos, na sua intervenção Marta Araújo refere que, “Por um lado,

estão ainda em circulação manuais que constroem e naturalizam a hierarquização de grupos humanos. Nesta

primeira citação, que se vê muito mal, pode ler-se: «A África, a sul do Cabo Bojador, era habitada por povos

negros organizados em reinos. A sua forma de viver era bastante primitiva: andavam seminus, adoravam as

forças da natureza e habitavam em palhotas.» A seguir, vem-se legitimar o colonialismo de África, mas não os

processos coloniais na Ásia, que seriam civilizações mais desenvolvidas”.

Abordagens

Quanto à abordagem do tema, Marta Araújo refere a sua complexidade, “Esta ideia de que podemos

simplesmente corrigir o pequeno estereótipo (…). Dantes chamavam-se «povos primitivos»; hoje em dia, há

outras maneiras de o fazer e também ainda se usa esta designação. Portanto, não é só uma questão de corrigir

pequenos estereótipos, também não é só uma questão de apresentar novas vozes, incluir outras vozes. Por

exemplo, um exercício muito comum é o de apresentar um excerto de um discurso de Amílcar Cabral para

contrapor Salazar, mas, pela maneira como a narrativa é enquadrada, as palavras de Amílcar Cabral são

entendidas como se o nosso colonialismo fosse apenas pouco eficiente, porque nós éramos analfabetos.

Portanto, é preciso repensar as narrativas-mestras da História, é preciso pensar sobre a identidade nacional

que queremos construir, em Portugal. Aqui, outra vez esta distinção entre falar de racismo, populações

racializadas versus imigração. São pessoas que fazem parte do corpo nacional e, portanto, estas narrativas

devem ser repensadas”.

Ainda no contexto das abordagens, refere: “Segundo, a despolitização das descobertas e da escravatura.

Cada vez mais se tem incentivado a compreensão da escravatura como um processo de formação de

sociedades multiculturais. Como eu disse, isto foi reforçado em 2013 pelas metas curriculares. Inclusivamente,

quadros que deveriam ser usados para explicar como se construiu o racismo e a hierarquização de grupos, são

usados para reforçar a tese da mestiçagem da população”.

“Por último, continuam a circular estas ideias sobre os movimentos de libertação nacional africana,

esvaziados de um projeto político e reduzidas à guerra de guerrilha. Também se nota que, normalmente, o

colonialismo português nunca era tido como violento, eles, sim, foram violentos contra nós — esta narrativa está

bem consagrada”.

Interculturalidade

No que diz respeito à abordagem intercultural do sistema de ensino, a investigadora dá a sua perspetiva:

“Nas últimas três décadas, iniciativas de educação intercultural pelo Estado — e a Cristina já mencionou isso —

têm convivido muito bem com este tipo de abordagens. Temos de ver o que é que pensamos quando fazemos

pequenos acrescentos ao currículo ou pequenas transformações fora do ensino formal. Este tipo de ensino da