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6 DE DEZEMBRO DE 2014

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como a entendemos no Ocidente, e teve causas e efeitos muito diferentes consoante a matriz social e religiosa

de cada país. De Marrocos ao Egito, da Argélia ao Iémen, da Tunísia à Síria, do Bahrein à Turquia, da Líbia ao

Iraque, ninguém pode honestamente apontar uma só linha de continuidade e uma só consequência. Cada um

viveu experiências internas muito distintas e isso também dificultou a abordagem ocidental, particularmente

europeia, em relação à região.

Marrocos e Argélia tiveram manifestações nas ruas, tal como a Arábia Saudita e a Turquia, mas

conseguiram encontrar plataformas mais ou menos eficazes de controlo das massas, seja por abertura

constitucional, seja subsidiando salários, seja através da centralidade militar como forma de evitar um regresso

à guerra civil, seja ainda pelo reforço da legitimidade eleitoral. A Tunísia talvez tenha tido o processo mais

interessante aos nossos olhos, mas beneficiou do facto de ter uma sociedade mais aberta, laica, homogénea e

próspera do que a vizinhança, embora não tenha sido poupada a desvios mais ou menos radicais. No Egito,

as forças democráticas não tiveram peso político suficiente para inverter a mubarakização do regime, e os

islamitas da Irmandade Muçulmana foram progressivamente retirados da equação com o regresso dos

militares ao poder. Síria, Iémen e Iraque vivem sangrentas disputas étnicas, religiosas e tribais e a Líbia nunca

se recompôs da decomposição tribal pós-Kadhafi, com especial responsabilidade da NATO e organizações

parceiras na falta de estabilização no pós-guerra.

Seja como resultado de longas tiranias opressoras, rivalidades religiosas, profundas, má distribuição da

riqueza, acentuado tribalismo, inflação, descrença no futuro, desemprego, asfixia participativa partidária,

caciquismo, nepotismo ou corrupção, certo é que a Europa não se preparou para as mudanças mediterrânicas

e está hoje a sofrer essa falta de interpretação atempada. No meio disto, o fluxo de criminalidade organizada

associada às redes terroristas alargou o seu arco da costa ocidental africana, ao centro e norte de áfrica,

passando pelo médio oriente, Cáucaso e ásia central.

O Mediterrâneo é hoje um gritante cemitério de águas profundas onde milhares de africanos desesperados

tentam chegar às costas da Europa do sul enfrentando a morte e as redes de tráfico humano. No último ano

mais de três mil crianças, mulheres e idosos morreram nesta travessia maldita do mediterrâneo. Não podemos

continuar a contar cadáveres sem uma estratégia concertada entre as duas margens.

A crise do estado nacional continua em desagregação na Líbia, Síria e Iraque e os erros cometidos nas

longas guerras do Afeganistão e Iraque dificultam hoje a credibilidade da ação ocidental contra o terrorismo da

al-Qaeda no Magreb Islâmico, na Península Arábica, dos seus franchisados, do Estado Islâmico ou de outras

redes associadas. Só fazendo autocrítica é possível avaliar as nossas possibilidades reais de ação.

Debrucemo-nos, assim, sobre a estratégia integrada. Não há soluções ocidentais para problemas não

ocidentais. Quanto muito podem existir pontos de ligação feitos através das aspirações democráticas de

muitos sectores, elos de aproximação no campo das liberdades, mas ninguém pode dizer que 1989 se vai

repetir nos mesmos termos do Norte de África e no Médio Oriente. Precisamos por isso de influenciar as

transformações nesta região de uma forma realista, pragmática e com passos seguros. Criando muito

melhores redes de educação com o Ocidente, que permitam formar gerações preparadas para a globalização

e para liderar os destinos dos seus países. Juntando com outra periodicidade líderes políticos, autarcas,

ordens profissionais, universidades, líderes religiosos, organismos de solidariedade social, academias militares

e empresários, de forma a trabalharmos melhor em conjunto, identificando problemas atempadamente e

solucionando em conjunto situações que nos dizem a todos respeito.

É evidente que só isto não chega para erguer sociedades moderadas no plano religioso, promotoras de

integração política e diversidade étnica, respeito pela lei, pelas minorias, pelos direitos humanos, pelas

instituições e pelas eleições. É preciso que o Ocidente readquira também uma força moral que lhe tem faltado

para conseguir influenciar tantas dinâmicas alheias. Além disso, precisamos de trabalhar melhor em conjunto

problemas no sector da segurança interna – do tráfico de armas ao financiamento terrorista – para que os

avanços sociais não sejam permanentemente minados.

Este não é um trabalho de curto prazo. Demorará uma ou duas gerações a conseguir erguer um projeto

sustentado entre as duas margens, mas a existência de um interesse partilhado, de problemas comuns, de

sectores da sociedade e do plano político que já operam em conjunto há muito tempo, dão-nos garantias que é

possível chegar a bom porto. Só puxando pelos que de bom as sociedades árabes e muçulmanas têm é

possível expurgar os radicalismos, o extremismo e evitar que novos Estados Islâmicos se propaguem a outras

paragens.