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170 II SÉRIE - NÚMERO 8-RC

outras áreas que foram referidas, tal como as áreas da protecção dos consumidores e da preservação do património histórico e cultural.

A posição do Partido Socialista, sob esse ponto de vista, é muito mais coerente do que as restantes, porque o que defende é a generalização do direito de acção popular relativamente àquelas áreas que em sede constitucional reputamos mais importantes, designadamente a ecologia, a protecção do meio ambiente, bem como do património cultural e histórico, e a defesa dos consumidores. Portanto, tratamos todas essas áreas onde na sociedade contemporânea se afirmam os interesses de grupos específicos em verdadeira igualdade de circunstâncias. Não discriminamos, sendo certo que o problema consiste exactamente em justificar a discriminação, coisa que o Sr. Deputado José Magalhães não fez, mas que talvez não tivesse de o fazer, porque não é o autor da proposta. Mas, num apelo de humildade científica, valeria a pena, apesar de tudo, entregar-se a esse exercício.

Quanto à questão da acção popular, devo dizer que o único partido português que desde o 25 de Abril esboçou um princípio de regulamentação jurídica da acção popular foi de facto o Partido Comunista Português, na II Legislatura, através de um projecto que foi discutido na então 2.ª Comissão, Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, o qual foi unanimemente considerado insuficiente e não satisfazendo os objectivos do instituto da acção popular consagrado na Constituição. Decidiu-se naquela altura que mais valia deixar subsistir o regime existente e decorrente de anteriores diplomas do que estar a consagrar um diploma com três artigos, que era manifestamente insuficiente. Daí para cá mais ninguém fez nenhum esforço de aperfeiçoamento desse regime jurídico; o PS não o fez - mea culpa -, mas a verdade é que também o PCP nunca mais retomou esse projecto de lei em matéria de acção popular. Se falamos, pois, em termos de humildade, convém também recordar este pormenor histórico, que me parece significativo.

Finalmente, o problema que o Sr. Deputado José Magalhães coloca é um problema que pode ser levado às últimas consequências em todas as áreas da actividade legislativa do Estado, que consiste em saber se a actividade normativa, designadamente em sede de revisão constitucional, deve ser uma actividade estimuladora da sociedade civil nas suas manifestações mais variegadas ou uma actividade substitutiva do próprio dinamismo da sociedade civil. Isto é, a questão que o Sr. Deputado coloca é a de saber para quê estarmos a louvar-nos da vitalidade e da auto-organização da sociedade civil quando ela não existe, porquanto os mecanismos escassos que já existem na Constituição nem sequer são devidamente utilizados. Substituamos, pois, a inépcia e a tibieza da sociedade civil através de mecanismos institucionais que dão ao Estado um certo protagonismo na defesa dos interesses colectivos.

Esta é uma lógica possível de abordagem destas questões, mas, na realidade, não é a minha lógica. Recordo que, pelo facto de se ter pretendido alargar a legitimidade processual num conjunto de áreas, designadamente a da protecção dos direitos dos consumidores, às entidades representativas de grupos de interesses, estas depararam desde logo com obstáculos decorrentes do seu próprio funcionamento, porque, quando se tratou de consignar que as associações de defesa dos

consumidores tinham legitimidade processual para serem partes em processos judiciais contra comerciantes que adulteravam os produtos que vendiam, a principal reserva suscitada veio exactamente da parte dessas associações, as quais não foram capazes de assumir essa zona melindrosa em que quem assume uma posição processual também assume as responsabilidades de natureza civil subsequentes a eventuais acusações infundadas ou injustas.

É que, se eventualmente se viesse a demonstrar que as partes - e não apenas o Ministério Público - em processos judiciais onde eram demandados comerciantes que vendiam produtos adulterados não tinham razão, na acusação formulada, também deveriam estar obrigados a responder, em termos de responsabilidade civil, pelos danos causados por esses processos intentados aos próprios comerciantes.

Lembro-me perfeitamente desse debate, que, aliás, foi muito interessante e em que os principais protagonistas desse processo foram os primeiros a dizer que não tinham condições nem estavam preparados para assumir tal responsabilidade. Portanto, a tibieza não deriva de preconceitos teoricistas, ideológicos e filosófico-normativos, mas sim do realismo da sociedade civil que temos. Aliás, em termos institucionais estão perfeitamente contempladas situações que vão desde a existência de um Provedor de Justiça omnicompreensivo até ao direito de acção popular, que, se for consagrado nos termos em que o PS o propõe, apenas terá de se fazer um esforço de conjunto - porque ninguém é dono da verdade absoluta neste domínio - e consagrar no plano do direito ordinário um regime jurídico de acção popular que torne esse mecanismo mais eficaz do que o foi até à data.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (PEV): - Sr. Deputado António Vitorino, não quero sair do debate sem, de algum modo, contraditar algumas das afirmações que foram proferidas por V. Exa.

De facto, não se trata neste caso de criar um promotor ecológico para cada grupo específico. Não está em causa - repito - a criação de uma figura que vá proteger aqueles que se reclamam, designadamente, da área do ambientalismo ou do ecologismo. Não é, pois, isso o cerne da questão. Portanto, penso que é indevida a comparação que se faz com o promotor da criança, das mulheres, dos consumidores, etc. São grupos específicos, embora todos saibamos que o grupo dos consumidores é tão alargado como o universo dos cidadãos.

Em suma, a questão ambiental tem natureza global; tem a ver com os cidadãos que habitam neste momento determinado espaço, com aqueles que o virão a fazer no futuro e também com aqueles que o habitaram anteriormente, cujo património ainda está presente e urge salvaguardar - isto respeita, naturalmente, às questões ambientais e à natureza da paisagem construída -, e tem a ver com outras componentes que não as humanas. Este é, pois, um problema global e não de um grupo específico. Como tal, essa comparação - permita-me a expressão - não é lícita.