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22 DE ABRIL DE 1988 203

pela mudança do inciso "cidadãos" para o inciso "pessoa"), pois suponho que agora têm razão para uma paixão muito mais funda e muito maior.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Tenho receio de que o Sr. Deputado José Magalhães venha a ter dissabores com este abandono das teses igualitárias.

Vou, a brincar, apresentar-lhe uma caricatura. Dois jovens músicos de uma orquestra moderna dizem: "Somos pederastas e livremente queremos exprimir a nossa diferença amando-nos no Rossio." Cuidado! O direito à diferença está certo, mas será que o está a livre expressão - "livre" - de todas as diferenças? É que assim o Sr. Deputado António Vitorino poderia dizer: "Eu gosto de carne humana, pelo que vou comer o meu semelhante."

O Sr. António Vitorino (PS): - Os canibais são uma minoria não anticonstitucional. A título meramente jocoso, diria que não há nada na Constituição que expressamente proíba que se coma carne humana!...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Nem a pederastia nem nada disso. Cuidado com isso!

Vozes.

O Sr. Presidente: - Antes de V. Exa. responder, de uma maneira menos caricatural, gostaria de referir que, como sabe, o princípio da igualdade tal como se encontra consignado no artigo 13.° não só refere que "todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei", como, no n.° 2, acrescenta de forma pormenorizada que ninguém pode ser privilegiado pelos factos depois enumerados.

Tenho as maiores dúvidas sobre a questão, pois VV. Exas. têm vindo a ser extremamente conservadores quando se coloca qualquer problema de alteração dos preceitos em matéria de direitos fundamentais, invocando que a estabilização e o esteamento, como diz o seu colega José Manuel Mendes frequentes vezes, não aconselha a que se introduzam modificações - isto obviamente por razões de prudência. Pelo mesmo tipo de razões, penso que - e isto não é contestar o direito à propositura de alterações por parte de qualquer dos Srs. Deputados - não é isso o que está em causa nem há vantagem em introduzir estas alterações que aqui são propostas. A menos que V. Exa. considere que hoje na Constituição o problema da discriminação não se encontra proibido, que dentro dos preceitos constitucionais aprovados não é possível exprimir livremente, como, aliás, reconheceu há pouco, o direito a ser diverso e a usar da sua liberdade e que, finalmente, não estão devidamente salvaguardadas as ideias da tolerância e da protecção das minorias.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, devo dizer, em primeiro lugar, que a proposta não é nossa. Nós, Grupo Parlamentar Comunista, não sentimos a necessidade de apresentar um aperfeiçoamento da Constituição. O nosso projecto de revisão constitucional regeu-se por um princípio de economia, pelo que, mesmo em situações em que os aperfeiçoamentos poderiam ser eventualmente úteis, não os apresentámos todos, e, seguramente, procurámos não apresentar nenhum inútil e menos ainda pernicioso.

Parece-nos, no entanto, que será possível ou pelo menos não será eminentemente censurável que se procure dilucidar alguma eventual dúvida sobre os limites e dimensões do princípio da igualdade e, logo, da margem de discriminação consentível dentro do quadro decorrente, designadamente, do artigo 13.° Julgo que algumas das hipóteses figuradas são verdadeiramente impensáveis face ao direito constitucional tal qual ele é. E os canibais portugueses estão numa "fria", constitucionalmente não têm a mínima chance, constitucionalmente estão completamente postergados. Canibais serão, mas estão completamente à margem da ordem constitucional, não podem invocar a seu favor coisa nenhuma e têm tudo contra si, incluindo o famoso direito da pessoa humana a não ser comida - se bem me entendem.

Risos.

Isto leva-me à questão fulgurante colocada pelo Sr. Deputado Almeida Santos. A questão do Sr. Deputado Almeida Santos quanto à problemática das cenas no Rossio é também igualmente susceptível do adequado tratamento penal. Como sabe, o novo Código Penal, nessa matéria, entre adultos consentidores é, como se costuma dizer, extremamente livre.

O Sr. Almeida Santos (PS): - O problema é o da inconstitucionalidade do Código Penal por esta alteração.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Código Penal não seria inconstitucionalizado por esta alteração, tal como as disposições penais em matéria de liberdade de expressão não são inconstitucionalizadas pelo facto de termos um artigo que reza, numa formulação felicíssima que "todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente" - eis a palavra tórrida que provocava os tais receios de efusões excessivas do Sr. Deputado Almeida Santos! - "o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio [...]". Nunca ninguém viu aqui o direito de ir exprimir no Rossio, de forma desbragada e contrária ao direito penal, todas as coisas que não se dizem em palavras quanto mais em actos.

Risos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Só que a Constituição também diz quais as excepções sujeitas às extensões do direito penal.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não diz, Sr. Deputado Almeida Santos. O preceito diz precisamente que "todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações". Não diz mais nada.

O Sr. Almeida Santos (PS): - E a seguir?